segunda-feira, 3 de agosto de 2015

ARTIGO - Inconsequência ou Insensatez?


INCOERÊNCIA OU INSENSATEZ?
Paulo Maria de Aragão (*)


Mal concluíra o seu bizarro discurso saudando a mandioca e inventando a “mulher sapiens”, Dilma Rousseff ingressou na história com mais um de seus disparates: “Eu não respeito delator. Até porque estive presa na ditadura e sei o que é. Tentaram me transformar em uma delatora naquela época”, fazendo ainda um paralelo entre as apurações da Lava a Jato e a Inconfidência Mineira. Infere-se que tudo resultou de surto amnésico, porquanto a Lei nº 12.850/2013 que criou a “delação premiada” foi por ela própria sancionada. De outro modo, o teria feito “sem ler”?

Aliás, o fato reaviva pegadinha feita pelo programa televisivo CQC ao propor a criação da PEC da Cachaça. Na oportunidade, restou demonstrado que os parlamentares assinavam projetos sem ao menos ler o seu conteúdo, tendo em vista que a referida PEC encerrava a inclusão obrigatória na cesta básica do brasileiro um litro de aguardente.

E, na esteira do comportamento parlamentar objeto da pegadinha  na melhor das hipóteses: assinar sem ler, igual postura teria sido adotada pela Sra. Rousseff. Ora, ao sancionar a lei em referência integralmente, declinou de sua prerrogativa constitucional de vetá-la a teor do art. 66, § 1º, da CF. Portanto, a um só tempo, além da crítica descabida, investiu contra a razão e o bom senso, escarnecendo de si mesma.

Ora, a delação premiada mantém distância do alcaguete. Basta observar nos termos da citada lei que nenhuma condenação poderá ter “fundamento apenas nas declarações do agente colaborador.” Se não bastasse o desastre de suas palavras, evocou, igualmente, de maneira errônea e confusa, Joaquim Silvério dos Reis, o traidor da Inconfidência Mineira, ao compará-lo aos delatores premiados investigados. A ilogicidade e ausência de conhecimentos históricos da presidente são manifestas. A incongruência salta aos olhos ante tão disparatada inconsistência.

As declarações foram irrefletidas. Incorreu em gravíssimo erro ao equiparar a colaboração premiada, instituição jurídica que obedeceu aos trâmites democráticos em sua feitura, aos atos de exceção praticados no regime passado.

A propósito, o ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal (STF), Joaquim Barbosa, usou sua conta na rede social Twitter para fazer críticas às malsinadas declarações da presidente sobre a colaboração premiada. "Caberia à assessoria informar à presidente que: atentar contra o bom funcionamento do Poder Judiciário é crime de responsabilidade!", escreveu Barbosa. “Colaboração” ou “delação” premiada é um instituto penal-processual previsto em lei no Brasil! Lei!“, concluiu. Acentua, ainda, haver "algo profundamente errado na nossa vida pública. Primeiro: nunca vi um chefe de Estado tão mal assessorado como a nossa atual presidente", criticou o ministro aposentado, e, por fim, acrescentou: "a Constituição não autoriza o presidente a 'investir politicamente' contra as leis vigentes, minando-lhes as bases".

Com o advento da Lei nº 12.850/2013, previu-se a confissão do colaborador acerca de seus delitos e de seus comparsas, contribuindo para desmantelar quadrilhas e reduzindo a aplicação da pena. Esse mecanismo usado em diversos países tem atingido resultados exitosos pelo mundo. Exemplifique-se a Itália aonde a operação Mãos Limpas chegou a investigar 6.059 pessoas, dentre elas 872 empresários, 1.978 administradores e 438 parlamentares, dos quais quatro haviam sido primeiros-ministros.

Aqui, sem o acordo de colaboração, o ex-gerente de Serviços da Petrobras, Pedro Barusco, teria devolvido à estatal os R$ 157 milhões desviados? A devolução só foi possível porque o investigado na Operação Lava a Jato assinou o mencionado acordo, caso contrário suas contas secretas permaneceriam sigilosamente mantidas na Suíça.

A função social do Estado é promover o bem comum, perquirir a segurança pública por meio do combate à criminalidade organizada, que supera fronteiras eavança cada vez mais, enquanto os Estados debilitam-se em contê-la.


Ihering, não por acaso, pressentiu esses tempos e deixou-nos o acertado ensinamento frente aos séculos venturos: "Um dia, os juristas vão se ocupar do direito premial. E farão isso quando, pressionados pelas necessidades práticas, conseguirem introduzir matéria premial dentro do direito, isto é, fora da mera faculdade ou arbítrio. Delimitando-o com regras precisas, nem tanto no interesse do aspirante ao prêmio, mas, sobretudo no interesse superior da coletividade". É o caso.


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