INCOERÊNCIA OU INSENSATEZ?
Paulo Maria de Aragão (*)
Mal concluíra o seu bizarro discurso saudando a
mandioca e inventando a “mulher sapiens”, Dilma Rousseff ingressou na história
com mais um de seus disparates: “Eu não respeito delator. Até porque estive presa
na ditadura e sei o que é. Tentaram me transformar em uma delatora naquela
época”, fazendo ainda um paralelo entre as apurações da Lava a Jato e a
Inconfidência Mineira. Infere-se que tudo resultou de surto amnésico,
porquanto a Lei nº 12.850/2013 que criou a
“delação premiada” foi por ela própria sancionada. De outro modo, o teria feito “sem ler”?
Aliás, o fato reaviva pegadinha feita pelo programa televisivo CQC ao propor a criação
da PEC da Cachaça. Na oportunidade,
restou demonstrado que os parlamentares assinavam projetos sem ao menos ler o seu conteúdo, tendo em vista que a
referida PEC encerrava a inclusão obrigatória na cesta básica do brasileiro um
litro de aguardente.
E, na esteira do comportamento parlamentar objeto da
pegadinha – na melhor das hipóteses: assinar sem ler, igual postura teria sido
adotada pela Sra. Rousseff. Ora, ao sancionar a lei em referência
integralmente, declinou de sua prerrogativa constitucional de vetá-la a teor do
art. 66, § 1º, da CF. Portanto, a um só tempo, além da crítica descabida,
investiu contra a razão e o bom senso, escarnecendo de si mesma.
Ora, a delação
premiada mantém distância do alcaguete. Basta observar nos termos da citada lei que nenhuma
condenação poderá ter “fundamento apenas nas declarações do
agente colaborador.” Se não bastasse
o desastre de suas palavras, evocou, igualmente, de maneira errônea e
confusa, Joaquim Silvério dos Reis, o traidor da Inconfidência Mineira, ao
compará-lo aos delatores premiados investigados. A ilogicidade e ausência de conhecimentos históricos
da presidente são manifestas. A incongruência salta aos olhos ante tão
disparatada inconsistência.
As declarações foram irrefletidas. Incorreu em gravíssimo erro ao
equiparar a colaboração premiada, instituição jurídica que obedeceu aos
trâmites democráticos em sua feitura, aos atos de exceção praticados no regime
passado.
A propósito, o ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal (STF), Joaquim Barbosa, usou sua conta
na rede social Twitter para fazer
críticas às malsinadas declarações da presidente sobre a colaboração premiada.
"Caberia à assessoria informar à
presidente que: atentar contra o bom funcionamento do Poder Judiciário é crime
de responsabilidade!", escreveu Barbosa. “Colaboração” ou “delação” premiada é um instituto penal-processual
previsto em lei no Brasil! Lei!“, concluiu. Acentua, ainda, haver "algo profundamente errado na nossa vida
pública. Primeiro: nunca vi um chefe de Estado tão mal assessorado como a nossa
atual presidente", criticou o ministro aposentado, e, por fim,
acrescentou: "a Constituição não
autoriza o presidente a 'investir politicamente' contra as leis vigentes,
minando-lhes as bases".
Com o advento da Lei nº 12.850/2013, previu-se a
confissão do colaborador acerca de seus delitos e de seus comparsas,
contribuindo para desmantelar quadrilhas e reduzindo a aplicação da pena. Esse
mecanismo usado em diversos países tem atingido resultados exitosos pelo mundo.
Exemplifique-se a Itália aonde a operação Mãos Limpas
chegou a investigar 6.059 pessoas, dentre elas 872 empresários, 1.978
administradores e 438 parlamentares, dos quais quatro haviam sido
primeiros-ministros.
Aqui, sem o acordo de colaboração, o ex-gerente de
Serviços da Petrobras, Pedro Barusco, teria devolvido à estatal os R$ 157
milhões desviados? A devolução só foi possível porque o investigado na Operação
Lava a Jato assinou o mencionado acordo, caso contrário suas contas secretas
permaneceriam sigilosamente mantidas na Suíça.
A função social
do Estado é promover o bem comum, perquirir a segurança pública por meio do combate à criminalidade
organizada, que supera fronteiras eavança cada vez mais, enquanto os Estados
debilitam-se em contê-la.
Ihering, não por acaso, pressentiu esses tempos e
deixou-nos o acertado ensinamento frente aos séculos venturos: "Um dia, os juristas vão se
ocupar do direito premial. E farão isso quando, pressionados pelas necessidades
práticas, conseguirem introduzir matéria premial dentro do direito, isto é,
fora da mera faculdade ou arbítrio. Delimitando-o com regras precisas, nem
tanto no interesse do aspirante ao prêmio, mas, sobretudo no interesse superior
da coletividade". É o caso.
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