quarta-feira, 19 de agosto de 2015

CRÔNICA - Traquinagens a Borbo (VM)


TRAQUINAGENS 
A BORDO
Vianney Mesquita*


É, pois, a fé a substância das coisas que se devem esperar, um argumento daquelas que não aparecem. (Hebreus, 11-1).


Viajámos o Anselmo Frazão (personagem habitual do cronista), o Mauro Rocha, o Professor Geraldo Jesuino da Costa e eu para um encontro de editoras universitárias em Campinas, em pleno fastígio da editoração acadêmica no País – ao tempo do Reitor Paulo Elpídio de Meneses Neto (UFC) – o que me conduziu a escrever o primeiro volume impresso: Sobre Livros – Aspectos da Editoração Acadêmica.

Já ao adentrar o avião, no “Pinto Martins”, se viam aquelas duas ou três pessoas apavoradas, espantadas, como jumento da boca preta, feitas cachorro em noite de são-joão, externando um semblante de medo, sobrosso do voo insondável que nos ia (talvez, quem sabia!) deixar em Congonhas e, de lá, ocorreria (era a expectativa) o voejo para o Aeroporto de “Viracopos”.

Neste tempo, não havia assento marcado e (incrível) se podia fumar no interior da cabine. Éramos os primeiros da fila. Então, convidei:

– Frazão, vamos nos sentar aqui, logo na frente.

– Tá maluco, rapaz! Em não ando na frente!

– Qual a razão, amigo?

– É que eu nunca vi avião cair pelo rabo!

Foi o suficiente para o homenzinho acender um cigarro no outro e olhar investigativamente para o fundo da aeronave, mudando de lugar imediatamente.

Alguns minutos mais tarde, no anúncio do começo da viagem, [...] A VASP, tem o prazer de recebê-los a bordo. Receba os cumprimentos do Comandante Agamenon ...

Imediatamente veio a interrupção:

Ah! É o Comandante Agamenon? Não tem quem faça! Vou de jeito nenhum! – gritou um gaiato lá de trás.

A muito custo, as aeromoças (e aerovelhas, também) conseguiram acalmar os ânimos, tendo a Coramina (é o novo!) corrido solta neste dia e o Frazão morrendo de rir lá atrás.

Lembro-me de que, em 1989, retornava de Lima, onde a Universidade do Pacífico promoveu um curso de editoração, e, como vizinho de cadeira, dei de cara com Dom Henrique Cláudio de Lima Vaz (1921-2002), religioso ouro-pretano que voltava de um evento religioso, salvo escorrego de lembrança, em Guaiaquil - Equador.

Conversei com ele, amenidades – mais amenidades  e literatura filosófica, pois havia consultado um pouco antes sua Antropologia Filosófica I e II.  O avião sobrevoava os Andes, exatamente o Lago da Titicaca, região fronteiriça Peru-Bolívia. A palestra gravitou ao redor de seus interesses pela região Nordeste, nomeadamente, em relação ao Ceará e, mui particularmente, acerca do celebérrimo assassinato de Dom Expedito Lopes, pelo Padre Hosanah Cerqueira, vigário de Quipapá, Diocese de Garanhuns-PE, em 2 de julho de 1957, onde Dom Expedito era  titular da Prelazia.

Conversa vai, conversa vem, ocorreu uma regular tremedeira no avião e me lembrei, então, de uma história de viagem aérea por mim ouvida havia muito tempo, exatamente com um arcebispo. Contei-a, pois, a Dom Henrique Cláudio.

Acenderam-se os signos de apertar cinto (“abrochar el cinturón”) por causa de uma regular turbulência, pedindo o anunciante que todos volvessem aos seus lugares.

Um bispo da Igreja Católica Tridentina, desses mais medrosos, estava aterrado com as sacudidelas, ao que seu secretário aduziu: – Não há razão para pavor, Excelência Reverendíssima! Não viu que o Comandante falou que passava logo? De fato, cessou um pouco e deu para o prelado tomar um gole d’água com um comprimido não-sei-de-quê. Logo em seguida, entretanto, os balanços aumentaram, já com muita gente terrificada e o nosso antístite quase a enfartar, sempre acolitado e acalmado pelo já também aflito ajudante.

– Não se molestem. Tudo está sob controle. Fiquem em seus lugares! – Ouviu-se do alto-falante.

Segundos depois, cresceu assustadoramente a agitação e se escutava a fuselagem estalar como se fosse tudo se partir, vendo-se a correria das aeromoças e aerovelhas a se abrigarem nas cabinas e se “abrocharem a sus cinturones”.

Nisso, fala o Comandante:

– Infelizmente, não podemos mais controlar a natureza. Tudo o que podíamos fazer foi providenciado. Agora, é cada qual se apegar às suas crenças, à Misericórdia Divina, no que eu, particularmente, acredito até as finais consequências.

Despeço-me de vocês. Certamente, até o dia do Juízo!

Sob o terror do Pontífice católico, seu coadjutor o arrostou e exprimiu:

– Dom Fulano, não se preocupe nem se intimide, pois, dentro de instantes, estaremos nos braços do Senhor!

Com os olhos esbugalhados e bufando de ódio, exprimiu o Bispo:


– Homem, não diga uma desgraça desta !!!


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