segunda-feira, 3 de agosto de 2015

CRÔNICA - Os Circos que Alegraram Nossa Vida (WI)

OS CIRCOS QUE
ALEGRARAM NOSSA VIDA
Wilson Ibiapina*

Orlando Orfei, um dos maiores nomes do circo, vai ser enterrado terça feira, 4 de agosto, no Rio de Janeiro, onde morreu aos 95 anos. O italiano Orfei morava no Brasil desde o fim da década de 1960. Começou como palhaço aos 6 anos de idade. Era domador de leões e foi dono do Tivoli Park, um famoso parque de diversões que ficou montado durante décadas na zona sul do Rio. A morte desse artista me recorda os circos que alegraram Fortaleza no século passado.

Ainda menino, em Ubajara ou Ibiapina, o simples anúncio de que “o circo chegou” era motivo de grande alvoroço na cidade. A  expectativa era grande, entre adultos e crianças. O espetáculo que íamos ver teve sua origem na antiguidade, passou pelas arenas romanas e chegou à idade média com grupos de malabaristas, artistas de teatro e comediantes, viajando pela Europa. Coube ao inglês Philip Astley, em 1769, organizar as apresentações circenses debaixo de uma tenda de lona, que mudava de cidade constantemente.

O circo da minha infância, no interior do Ceará, não tinha cobertura. Lona, só dos lados.  “Hoje tem espetáculo!?" – Tem sim senhor!? – Às 8 da noite!? – Tem sim senhor! Arrocha negada – Uuuuurrra!!! – gritava a meninada, que tinha um dos braços pintado com uma numeração, o que lhe daria direito a entrar de graça. 

A propaganda pelas ruas da cidade era conduzida por palhaços, acompanhados pela garotada. Hoje temos um palhaço deputado federal, o cearense Tiririca. No passado, o máximo que um palhaço  conseguia era aparecer na televisão, como o Bozo, o Carequinha ou o Arrelia. O palhaço mais famoso do Brasil foi Piolin, encarnado pelo paulista Abelardo Pinto, de Ribeirão Preto. Morreu em 1973 mundialmente conhecido. Além de grande criatividade cômica, Piolin era equilibrista e ginasta. Foi considerado "o maior palhaço do mundo". Ele nasceu no dia 27 de março de 1897. O dia de seu nascimento foi escolhido para ser o Dia do Circo no Brasil.

Circo Nerino

Um outro palhaço famoso foi o Nerino. Mas esse, fui conhecer quando eu estava mais velho e morando em Fortaleza. Minha casa ficava na Avenida Padre Ibiapina, ao lado da praça São Sebastião, local destinado à armação dos circos.  

Nerino, dono do circo, era o palhaço Picolino Segundo, que matava todos de rir com suas estripulias. O circo Nerino foi criação do pai dele, Picolino Primeiro, em 1913. O Nerino fez sua última apresentação em setembro de 1964, em Cruzeiro do Sul, em São Paulo, depois de marcar a memória de muitos garotos país a fora.

Circo Tihany

Desses circos paulistas, o único que ainda  está com a lona armada é o Tihany. Fundado por Franz Czeisler em 1954, na cidade de Jacareí, em São Paulo, o circo sobrevive porque foi levado para o exterior.  A origem do nome vem da cidade natal do fundador, Tihany, na Hungria. Foi ainda com o nome de Circo Mágico Tihany que esteve em Fortaleza. Antes de vir para o Brasil, como imigrante, em 1952, Franz já trabalhava nos palcos da Hungria, Romênia e Checoslováquia, como ator, bailarino e, por último, mágico. Após uma rápida passagem pela Flórida, o circo fixou-se em Las Vegas, onde Czeisler, de 96 anos, vive até hoje. O sucessor dele e atual diretor do Tihany Spetacular Circus é o argentino  Richard Massone.

Circo Garcia

De todos esses circos, o que me marcou mais foi mesmo o Garcia. Muita gente se apaixonou pelas artistas. Algumas delas ficavam hospedadas na mansão dos Limaverde, na rua Clarindo de Queiroz, em frente à praça São Sebastião, onde o circo foi armado várias vezes. Antolim Garcia dizia que todo circo tem que ter uma velha  a mãe de um artista, ou a mulher do empresário. Garcia dizia que circo sem velha não existe. Ela costura, examina uma colega grávida, chama a parteira, faz massagens, faz tudo, zela por todos e ainda faz fofocas, intrigas que ela mesma se encarrega de desfazer. 

No livro que escreveu sobre o circo, em 1962, Garcia comenta os costumes e prolemas dos companheiros que amou. Ele revela que no Brasil o circo se compõe de duas classes: uma representada pelos tradicionais, que é formada por artistas nascidos em circos e que são a continuação dos imigrados que iniciaram a vida circense no país. A outra classe é a dos aventureiros, constituída por artistas que antes exerciam outras atividades e que ingressaram para o circo por conveniência ou boemia.

A  velha e o Curió

O Garcia tinha uma velhota que comandava a classe dos aventureiros em 1955, na época em que o circo se preparava para ir à Guiana, sua primeira viagem internacional. Essa família tinha cinco membros. Essa senhora, viúva, recebeu o nome de Babá, pelo cuidado que tinha  com a família: duas filhas de criação, um garoto sapeca de uns cinco anos, e o Curió, um caboclo atarracado que possuía conhecimentos acrobáticos. Ele viu nas meninas de Babá as partners que precisava para montar um grande ato e com ele entrar no mundo do espetáculo. 

Aproximou de Lelé, a mais velha das irmãs, e começou um namoro, que logo ele quis transformar em casamento. A velha Babá, temendo que Curió, depois de casado fosse embora com sua filha, foi contra, e armou um golpe. Chamou Curió pra uma conversa. Disse-lhe que na sua família casamento sempre foi considerado um ato de grande responsabilidade. Que na família sempre apoiou, sem objeções, a escolha de qualquer de seus membros, desde que se obedeça praxes legadas dos antepassados. 

Curió, balançando a cabeça como concordando com aquilo, dizia “cumprirei tudo”. E a velha afirmou que “nosso costume é casar primeiro os mais velhos”. Curió sorriu, na certeza de que tinha escolhido a Lelé, a mais velha. “Sem que os mais velhos casem os jovens não poderão contrair matrimônio” – Certíssimo, disse Curió.

– Perdão, atalhou a velha. É bom que você saiba que a mais velha aqui, embora não pareça, sou eu; por conseguinte, antes que eu encontre um novo marido, Lelé não poderá casar-se”.

E a velha continua, descaradamente: “Diante desse imperativo, só vejo um recurso”.

– Qual? – pergunta um impaciente Curió. A velha lança um olhar furtivo e sugere;

– Case comigo.

Curió, que ia levando uma xícara a boca, tomou um susto tão danado que entornou o café sobre a calça. Babá pediu que trouxessem um pano molhado com água quente, ajoelhou-se diante do rapaz e começou a limpar as nódoas de café. Curió, que na verdade estava mesmo a fim de montar um grande ato que permitisse que se apresentasse num grande circo, agarrou as mãos da velhota e disse: “Sabe, nunca gostei de ter por mulher uma jovem piegas e inexperiente. A mulher que verdadeiramente gostei à primeira vista é você. Babá levantou-se e aos gritos chamou as duas filhas e comunicou: “O Curió aqui pediu-me para casar com ele e eu aceitei".

Uma vez casado com a matrona, que sofria do fígado e de pedras na bexiga, Curió montou logo um grande ato com as duas caboclas. Babá pedia ao marido que levasse Lelé aos cinemas e passeios já que a bílis não lhe permitia sair. Os três passaram a viver felizes.
         
O livro de Antolim Garcia que conta essa história de Babá e Curió foi escrito em 1962, quando seu circo comemorava 47 anos de existência. O fim do circo Garcia foi noticiado assim pelo Correio Popular, de Campinas, matéria assinada por Rogério Verzignasse:

"Garcia desce suas lonas”.

As cortinas do espetáculo se fecharam. Para sempre. Atolado em dívidas que chegam à casa dos R$ 800 mil, o Circo Garcia, o mais antigo do Brasil, encerrou as suas atividades. Fundada em Campinas, em 1928, a companhia circense chegou a figurar, na década de 70, entre as quatro maiores do mundo.

Seu fundador foi Antolim Garcia, paulistano, filho de imigrantes espanhóis, que conduziu o Circo Garcia ao sucesso no Exterior. O apogeu aconteceu entre 1954 e 1964, quando os espetáculos, com cinco lonas e cerca de 200 artistas contratados, viajaram por 72 países do mundo.

Desde a década de 80 o Garcia enfrentou crises financeiras sucessivas.  A arte circense já encarava a concorrência da televisão, que passou a oferecer diversão sem que as pessoas precisassem sair de casa. Muitas lonas foram baixadas, no Brasil inteiro. Mas a instabilidade econômica atual foi decisiva.

A alta do dólar tornou inviável o pagamento de artistas internacionais, com remunerações atreladas à moeda norte-americana. O Garcia chegou a pagar US$ 2,7 mil por semana a trapezistas mexicanos. Quase toda a dívida atual é referente a salários atrasados.  Alguns acontecimentos marcaram, de maneira particular, a derrocada do Garcia. Antolim morreu em 1987. Desde aquele ano, o grupo era administrado por sua mulher, Carola Boets, e pelo filho dele, Rolando Garcia, que faleceu em setembro de 2002.  “Sem meu enteado, fiquei muito sozinha”, afirma Carola. “Aqui nós estávamos empatando dinheiro”.

Além de Rolando, morreram desde o 2000 os outros dois filhos de Antolim, Ruth e Romero.  No dia 29 de dezembro de 2002, aconteceu o último espetáculo do Garcia, que estava montado na Avenida Guarapiranga, região do Santo Amaro, Zonal Sul paulistana. Sinal cruel dos tempos. Só 280 pessoas compareceram ao espetáculo, e se espalharam pela arquibancada construída para 3.500 espectadores. A arrecadação, lastima Carola, não foi suficiente nem para pagar os R$ 300,00 gastos com a manutenção dos geradores em uma noite de espetáculo".

Já o circo Orlando Orfei encerrou suas atividades em 2008. Orfei foi um inovador na sua profissão. Ele inventou o cartaz de quatro folhas para substituir a propaganda feita em folhetos manuais. É dele, também, a ideia da lona de plástico para substituir a de algodão, que era cara e pesada para transportar. O velho italiano escolheu Nova Iguaçu, no Rio, para passar seus últimos dias de vida  ao lado da família e do cachorro Lobo, pastor alemão, que estava sempre ao seu lado.

Em uma das últimas entrevistas dadas por Orfei, o repórter perguntou como teria sido a vida dele  se o circo não existisse. O artista respondeu, sorrindo:

– Eu inventava



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