terça-feira, 27 de outubro de 2015

CRÔNICA - Marteladas no Gólgota (AM)

MARTELADAS NO GÓLGOTA
Assis Martins*


É preferível sofrer a morrer. Eis a divisa do homem. (ANATOLE FRANCE).


Lá pelos anos de 1960, a Sociedade Cearense de Fotografia e Cinema, situada na Rua Guilherme Rocha, apresentava no seu palco o Mártir do Gólgota, representado pelo tradicional e respeitado grupo de amadores, o Conjunto Teatral Cearense, dirigido por J. Cabral, velho batalhador do teatro no Estado, revelador de muitos talentos.

Cabral fazia tudo: era diretor, ator, maquinista, contrarregra, eletricista e até

dava pitacos na confecção dos cenários feitos de papel de cimento, pintados com tinta xadrez. Já idoso, tinha muitas manias, uma das quais era anunciar o começo dos atos, dando três marteladas no piso do palco, para chamar a atenção do público.

Naquele dia, como sempre, fazia o papel de São Pedro e preparou-se para dar o famoso sinal do início do emocionante quadro do Monte das Oliveiras, quando Jesus é levado pela guarda pretoriana. Eis que, porém, o Zé, contrarregra novato, doido para mostrar serviço, abriu o pano ainda na segunda martelada, deixando o Cabral em cena com o martelo escondido sob o manto, no conhecido gesto de Napoleão.

A plateia não percebeu o desconforto dele contracenando com a mão escondida na manga do manto, nem mesmo quando, desajeitadamente, desferiu o golpe que cortou a orelha de Malco, o centurião que fora prender Jesus.

Com essa sua genial saída teatral, conseguiu na mesma hora misturar São Pedro com o Grande Corso!


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