domingo, 4 de outubro de 2015

ARTIGO - Resiliência (RV)

RESILIÊNCIA
Reginaldo Vasconcelos*

A MENTIRA

O mentiroso compulsivo termina por perder totalmente o contato com a verdade. Passa a não resguardar sequer a verossimilhança daquilo que relata, com o seu próprio testemunho. Todo o seu foco está em produzir sua narrativa imaginária. 

Certa noite, na varanda de casa, apresentei um notório mitômano da vizinhança a um comandante de navio, que estava em férias hospedado conosco, sem oportunidade de prevenir este sobre o vezo daqueloutro.

O mentiroso foi logo se dizendo ex-piloto de avião, narrando voos perigosos que empreendera sobre os Andes – realizando o misancene gestual com as manetas do aparelho. Contou de um pouso forçado que tivera de fazer em Cochabamba, com todos aqueles contratempos dos filmes de suspense.

Cidadão de meia idade, bem posto na vida, de ótima aparência, boa estatura, sotaque do Sudeste (era paulista), muito bem articulado, casado com uma senhora respeitável e com belas filhas moças, estudiosas e educadas, era mesmo constrangedor desconfiar.

Nós de cá já tínhamos vivido e superado esse choque havia anos, mas o nosso visitante, Capitão de Longo Curso do Lloyd Brasileiro, homem muito lido, vivido e viajado, acostumado a cruzar oceanos e correr o mundo no comando de navios transatlânticos, certamente percebeu os exageros e imprecisões da narrativa. Mas ouvia calado.

Ao final, ao saber da procedência paraense do comandante, o falso ex-piloto resolver dizer de quando, certa feita, em uma de suas sagas, navegara em um dos rios da Amazônia, o qual corria com tanta força que a âncora do barco, uma vez lançada, quicava e deslizava na superfície da torrente, sem oportunidade de afundar.

Depois se despediu, com a cortesia de sempre, e foi para casa dormir, deixando o grupo em silêncio por instantes. Entreolhamo-nos, alguém comentou o clima, referiu o frescor da noite, até que todos explodimos em risadas.

A TEIMOSIA

Um fenômeno semelhante à mentira acontece com o teimoso crônico, para quem, depois de desferir uma assertiva qualquer, contestar gratuitamente uma afirmação alheia, assumir uma causa ou adotar uma crença mística, toda a sua energia vai se destinar a defender a todo custo a convicção adquirida.

Sua visão, sua audição e seu raciocínio se tornam seletivos, diante do risco aterrorizante de que de repente a realidade se revele contrária àquilo de que ele está convicto. Ele prefere morrer a admitir um equívoco, a assumir que algum dia esteve errado, e para tanto a lógica cartesiana se torna o inimigo principal.

Conta-se de um teimoso recalcitrante que existiu em Fortaleza, em décadas passadas, ao qual o “Ceará moleque” propunha questões polêmicas, e depois todos entravam a contestar a tese por ele adotada, somente para que se exasperasse.

Diz-se de uma vez que alguém comentou a beleza das dunas litorâneas que da Praça do Ferreira ainda se avistavam. “Não são dunas, aquilo é água”, obtemperou o grande teimoso. Rapidamente a rapaziada se cotizou e alugou um carro para irem todos constatar os fatos e vencer aquela teima.


Em chegando às dunas, desembarcaram – e o sujeito ainda insistia que o motorista do carro não os levara ao local indicado – quando então algum dos rapazes encheu as mãos de areia e lançou sobre o seu peito. “Não me molhe o terno!” foi a sua reação, em flagrante ato falho.

JUCA E ARISTÓTELES

O tema vem a lume aqui porque a vida brasileira atual está totalmente envolvida pela teimosia e a mentira, pela mentira e a teimosia. Enfim, toda a energia política está concentrada em se negar a realidade, em se maquiar evidências, em se convencer a todos de que o erro é acerto e de que o certo está errado.

Militantes petistas sustentam que todo o atual desgoverno do barco público é devido a forças externas, pelas quais as âncoras salvadoras não puderam afundar, enquanto os ideólogos de esquerda defendem inverdades notórias, capazes de se molhar inteiramente nas areias mais sólidas e mais áridas para sustentar sua paralaxe. É o reino do ilusionismo e do auto-engano. Do ilógico, do absurdo, do surreal.

Lula não estudou e não gosta de ler, porque nasceu muito pobre, não teve tempo para o estudo médio nem a oportunidade de se intelectualizar compulsando os clássicos. Enfim, não adquiriu o gosto pela leitura para se ilustrar em humanidades. 

Dilma, por seu turno, filha de um imigrante próspero, teve oportunidade de ser doutora, mas, na época própria, preferiu deixar a sua área de conforto e contestar o regime, através da chamada “luta armada” – perdendo assim, definitivamente, o bonde da cultura e do saber.
  
Por isso mesmo, nem um nem outro sabe que tudo aquilo que fizeram em campanha e nos seus governos, e tudo o que resultou e resultará, não têm, aos olhos do mundo, nenhuma novidade antropológica. A história da civilização está repleta de tipos e de fatos que tais, de modo que para os homens cultos tudo isso é déjà vu, enquanto as consequências tragicômicas têm previsibilidade cristalina. Está tudo compilado na sabença do mundo, pela longa experiência épica acumulada. 

Mistificadores, demagogos, simulacros de líderes, arrivistas; falsos salvadores da pátria, ídolos de pés de barro, criador que usa e depois consome a criatura e vice-versa; traição e cizânia, perfídia e ganância, cobiça e cupidez, impostura e filhotismo. Malversação de dinheiros, cobrança de imposto exacerbada. Nada de novo no front. Tudo isso está registrado desde a mais remota Antiguidade – está no Torá, está na Bíblia, no Alcorão, no Bhagavad Gita. 

Projetos de domínio eterno, pão e circo ao povo trocado por ouro e poder aos governantes, déspotas no varejo jurídico que se passam por democratas no atacado. Tudo isso é muito velho e recorrente, desde sempre e em todos os quadrantes do universo conhecido. Está na mitologia grega, no folclore dos povos, na moral do fabulário, na literatura clássica – os bons leitores sabem disso.

A propósito, na última edição da Revista Isto É, o ator Juca de Oliveira dá uma entrevista admirável – ele que foi stalinista até os 32 anos, foi preso muitas vezes e exilado, mas que teve a rara e necessária resiliência filosófica para abandonar tudo em que creu e em que investiu a juventude.

Foi quando ele percebeu de repente que Stalin não era Deus, ao contrário do que aprendera e ensinara, mas um celerado genocida, e notou que as ex-repúblicas soviéticas optaram todas pelo capitalismo democrático, depois de viverem a experiência socialista – prova cabal de que ele se enganara a vida toda.

Segundo Juca, nas lições de construção dramática de Aristóteles, tecnicamente falando Lula é personagem de comédia, em razão da falta de integridade e de caráter – condições que em literatura e no teatro levam  ao riso e à facécia. 

Já a Dilma, à luz da aristotélica obra A Poética, encarnaria uma tragédia, vivendo o drama de ser presidente sem sê-lo de fato, de tentar se expressar em público e não dizer coisa com coisa. Para o velho ator brasileiro isso é apenas dramático, e não tem graça nenhuma.


    

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