RESILIÊNCIA
Reginaldo
Vasconcelos*
A MENTIRA
O mentiroso compulsivo termina por perder
totalmente o contato com a verdade. Passa a não resguardar sequer a
verossimilhança daquilo que relata, com o seu próprio testemunho. Todo o seu
foco está em produzir sua narrativa imaginária.
Certa noite, na varanda de casa, apresentei
um notório mitômano da vizinhança a um comandante de navio, que estava em
férias hospedado conosco, sem oportunidade de prevenir este sobre o vezo daqueloutro.
O mentiroso foi logo se dizendo ex-piloto
de avião, narrando voos perigosos que empreendera sobre os Andes – realizando o
misancene gestual com as manetas do
aparelho. Contou de um pouso forçado que tivera de fazer em Cochabamba, com
todos aqueles contratempos dos filmes de suspense.
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Nós de cá já tínhamos vivido e superado
esse choque havia anos, mas o nosso visitante, Capitão de Longo Curso do Lloyd
Brasileiro, homem muito lido, vivido e viajado, acostumado a cruzar oceanos e
correr o mundo no comando de navios transatlânticos, certamente percebeu os exageros e
imprecisões da narrativa. Mas ouvia calado.
Ao final, ao saber da procedência paraense
do comandante, o falso ex-piloto resolver dizer de quando, certa feita, em uma
de suas sagas, navegara em um dos rios da Amazônia, o qual corria com tanta
força que a âncora do barco, uma vez lançada, quicava e deslizava na superfície
da torrente, sem oportunidade de afundar.
Depois se despediu, com a cortesia de
sempre, e foi para casa dormir, deixando o grupo em silêncio por instantes.
Entreolhamo-nos, alguém comentou o clima, referiu o frescor da noite, até que
todos explodimos em risadas.
A TEIMOSIA
Um fenômeno semelhante à mentira acontece com o
teimoso crônico, para quem, depois de desferir uma assertiva qualquer, contestar
gratuitamente uma afirmação alheia, assumir uma causa ou adotar uma crença
mística, toda a sua energia vai se destinar a defender a todo custo a convicção
adquirida.
Sua visão, sua audição e seu raciocínio se
tornam seletivos, diante do risco aterrorizante de que de repente a realidade
se revele contrária àquilo de que ele está convicto. Ele prefere morrer a
admitir um equívoco, a assumir que algum dia esteve errado, e para tanto a
lógica cartesiana se torna o inimigo principal.
Conta-se de um teimoso recalcitrante que existiu
em Fortaleza, em décadas passadas, ao qual o “Ceará moleque” propunha questões
polêmicas, e depois todos entravam a contestar a tese por ele adotada, somente para
que se exasperasse.
Diz-se de uma vez que alguém comentou a
beleza das dunas litorâneas que da Praça do Ferreira ainda se avistavam. “Não
são dunas, aquilo é água”, obtemperou o grande teimoso. Rapidamente a rapaziada
se cotizou e alugou um carro para irem todos constatar os fatos e vencer aquela teima.
Em chegando às dunas, desembarcaram – e o
sujeito ainda insistia que o motorista do carro não os levara ao local indicado
– quando então algum dos rapazes encheu as mãos de areia e lançou sobre o seu
peito. “Não me molhe o terno!” foi a sua reação, em flagrante ato falho.
JUCA E ARISTÓTELES
O tema vem a lume aqui porque a vida brasileira
atual está totalmente envolvida pela teimosia e a mentira, pela mentira e a teimosia. Enfim,
toda a energia política está concentrada em se negar a realidade, em se maquiar
evidências, em se convencer a todos de que o erro é acerto e de que o certo
está errado.
Militantes petistas sustentam que todo o
atual desgoverno do barco público é devido a forças externas, pelas quais as
âncoras salvadoras não puderam afundar, enquanto os ideólogos de esquerda defendem inverdades notórias, capazes de se molhar
inteiramente nas areias mais sólidas e mais áridas para sustentar sua paralaxe. É o reino do ilusionismo e
do auto-engano. Do ilógico, do absurdo, do surreal.
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Dilma, por seu turno, filha de um imigrante próspero, teve oportunidade de ser doutora, mas, na época própria, preferiu deixar a sua área de conforto e contestar o regime, através da chamada “luta armada” – perdendo assim, definitivamente, o bonde da cultura e do saber.
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Mistificadores, demagogos, simulacros de líderes,
arrivistas; falsos salvadores da pátria, ídolos de pés de barro, criador que usa
e depois consome a criatura e vice-versa; traição e cizânia, perfídia e ganância, cobiça e cupidez, impostura e filhotismo. Malversação de dinheiros, cobrança de imposto exacerbada. Nada de novo no front. Tudo isso está registrado desde a mais remota Antiguidade – está no Torá, está na Bíblia, no Alcorão, no Bhagavad Gita.
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A propósito, na última edição da
Revista Isto É, o ator Juca de Oliveira dá uma entrevista admirável – ele que
foi stalinista até os 32 anos, foi preso muitas vezes e exilado, mas que teve a
rara e necessária resiliência filosófica para abandonar tudo em que creu e em
que investiu a juventude.
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Segundo Juca, nas lições de construção
dramática de Aristóteles, tecnicamente falando Lula é personagem de comédia, em razão da falta de integridade e de caráter – condições que em literatura e no
teatro levam ao riso e à facécia.
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