O QUE HÁ DE NOVO
SOB O SOL*
SOB O SOL*
(Terceira Leitura)
Vianney Mesquita**
Alexandre(1)
é ruim pernambucano/Que mata criança com reiuna,/ Celerado cem vezes
Crapiúna(2),/ Sevandija pior que Loredano(3). (Vianney
Mesquita).
Eis um periférico relatório a respeito da terceira leitura deste
romance, escrito por Maria LÚCIA Fernandes MARTINS, sob o pseudônimo de Sandra
Lacerda, estreado em 1967, com a marca das Edições Clã, reeditado em 1996 pelo Programa Editorial da
Casa de José de Alencar, da Universidade Federal do Ceará, e do qual, a convite
do Reitor Martins Filho, o editor, escrevi as guarnições.
Na inexistência de alguma novidade debaixo do Sol, ideia extraída do Eclesiastes, 1,9, eis que reapareceu,
vigorosamente, este rebento da Escritora carioca estabelecida no Ceará desde
1941, a única mulher partícipe do Grupo Clã, do qual eram componentes, seu
marido – jurista, doutrinador do Direito e romancista consagrado – Fran
Martins, bem como os irmãos dele, Antônio Martins Filho e Cláudio Martins, e,
ainda Antônio Girão Barroso, Aluísio Medeiros, Artur Eduardo Benevides, Moreira
Campos e muitos outros. A autora de Janelas
Entreabertas, Destinos Cruzados e A
Face Marcada (Rio de Janeiro, 1926 – Fortaleza, 2004), granjeou algumas
distinções, a primeira das quais aos 18 anos (com Janelas ... escrito em 1944).
Não demora
relembrar o fato de que o romance é gênero pouco cultivado por aqui nos derradeiros
anos, de sorte ser esta uma ocasião deveras feliz de poder a geração atual
apreciar e deleitar-se com a história de“personagens, sucessos, circunstâncias,
fora do signo do tédio, da banalidade, da aceitação passiva do cotidiano” –
consoante a mais do que abalizada opinião de Rachel de Queiroz.
Favorecida
com invulgar versatilidade para exteriorizar as múltiplas criações do romance,
Lúcia Fernandes Martins ajunta adequadamente a concepção-matriz – a personagem Pequenina – às ideações circunstantes
menores, de modo a perpetuar a marca de sua aptidão inventiva nesta Obra de
tanta qualidade, havia diversos anos parada na gaveta do tempo, e em literal repouso nas prateleiras de não muitos hoje
vivos e que experimentaram a dita de a conhecerem.
A imensa
variedade de situações, com figuras humanas (e desumanas) das mais diversas
personalidades e caracteres, é narrada com o engenho de sua linguagem culta. De
estudo, entretanto, ela não usa de subir aos páramos nem descer ao vulgo,
correndo as tramas – com suas digressões, episódios e fatos complementares –
fora dos naturais torneios figurativos peculiares à ficção. Procede assim,
exatamente, para não dificultar o alcance ou, até mesmo, a descrição das épocas,
dos caminhos e pedras e cobras e árvores e serras e ambientes, a denominação
das fazendas...; bem como a narração das viagens, as menções a peças de costumes,
louças, apetrechos, lugares daqui e de outros países... Tudo e bem mais
emprestam ao livro de Lúcia Martins os requisitos da variedade e unidade do
argumento, cujas ideias são ordenadamente cosidas em movimentos às vezes
ascendentes, ora descendentes, destacando essas mesmas ideações conforme as
circunstâncias em que se apoiam, relativamente a local, importância das
pessoas, tempo, descaso do Governo, cangaço et coetera, o que
demonstra na Autora a estrita obediência aos ditames da teoria literária.
Pequenina – grandiosa personagem/narradora da
estória – [...] deve ter vivido numa das
muitas heroínas que povoaram os sertões daqueles tempos [...], passando,
conforme expressou Antero de Quental, no poema Tentanda Via, sobre ruínas, como quem vai pisando um chão de
flores; convivendo com bichos, seca, enchente, peste e cangaço; lutando com
crase boa, como Mário, seu segundo consorte, trabalhador e honesto, marido
amoroso, pai extremoso; com estirpe de Padre Bernardino – o Anchieta do Sertão
– conforme o cognominou a satânica personagem Major Alexandre, o terceiro
marido.
Nada de novo sob o sol, com título alegórico sob inspiração
do mencionado livro bíblico, atribuído (sem certeza) a Salomão, constitui belo
e efervescente conjunto, escrito por quem conhecia os meandros do sistema de
narrar e que aliou à sua cultura histórica – e humanística, de modo geral – o
divino influxo criador e a verdade evangélica do talento.
*Texto
condensado e atualizado de MESQUITA, Vianney. Resgate de Ideias. Fortaleza: Casa de José de
Alencar – Universidade Federal do Ceará, 1996.
** Vianney
Mesquita é ...
(1) Figura do
Romance, terceiro marido de Pequenina.
(3)
Personagem de José de Alencar, em O
Guarani.
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