domingo, 11 de outubro de 2015

APRECIAÇÃO LITERÁRIA - O que Há de Novo sob o Sol (VM)


 O QUE HÁ DE NOVO 
SOB O SOL*
(Terceira Leitura)
Vianney Mesquita**


Alexandre(1) é ruim pernambucano/Que mata criança com reiuna,/ Celerado cem vezes Crapiúna(2),/ Sevandija pior que Loredano(3). (Vianney Mesquita). 
  

Eis um periférico relatório a respeito da terceira leitura deste romance, escrito por Maria LÚCIA Fernandes MARTINS, sob o pseudônimo de Sandra Lacerda, estreado em 1967, com a marca das Edições Clã, reeditado em 1996 pelo Programa Editorial da Casa de José de Alencar, da Universidade Federal do Ceará, e do qual, a convite do Reitor Martins Filho, o editor, escrevi as guarnições.

Na inexistência de alguma novidade debaixo do Sol, ideia extraída do Eclesiastes, 1,9, eis que reapareceu, vigorosamente, este rebento da Escritora carioca estabelecida no Ceará desde 1941, a única mulher partícipe do Grupo Clã, do qual eram componentes, seu marido – jurista, doutrinador do Direito e romancista consagrado – Fran Martins, bem como os irmãos dele, Antônio Martins Filho e Cláudio Martins, e, ainda Antônio Girão Barroso, Aluísio Medeiros, Artur Eduardo Benevides, Moreira Campos e muitos outros. A autora de Janelas Entreabertas, Destinos Cruzados e A Face Marcada (Rio de Janeiro, 1926 – Fortaleza, 2004), granjeou algumas distinções, a primeira das quais aos 18 anos (com Janelas ... escrito em 1944).

Não demora relembrar o fato de que o romance é gênero pouco cultivado por aqui nos derradeiros anos, de sorte ser esta uma ocasião deveras feliz de poder a geração atual apreciar e deleitar-se com a história de“personagens, sucessos, circunstâncias, fora do signo do tédio, da banalidade, da aceitação passiva do cotidiano” – consoante a mais do que abalizada opinião de Rachel de Queiroz.

Favorecida com invulgar versatilidade para exteriorizar as múltiplas criações do romance, Lúcia Fernandes Martins ajunta adequadamente a concepção-matriz – a personagem Pequenina – às ideações circunstantes menores, de modo a perpetuar a marca de sua aptidão inventiva nesta Obra de tanta qualidade, havia diversos anos parada na gaveta do tempo, e em literal repouso nas prateleiras de não muitos hoje vivos e que experimentaram a dita de a conhecerem.

A imensa variedade de situações, com figuras humanas (e desumanas) das mais diversas personalidades e caracteres, é narrada com o engenho de sua linguagem culta. De estudo, entretanto, ela não usa de subir aos páramos nem descer ao vulgo, correndo as tramas – com suas digressões, episódios e fatos complementares – fora dos naturais torneios figurativos peculiares à ficção. Procede assim, exatamente, para não dificultar o alcance ou, até mesmo, a descrição das épocas, dos caminhos e pedras e cobras e árvores e serras e ambientes, a denominação das fazendas...; bem como a narração das viagens, as menções a peças de costumes, louças, apetrechos, lugares daqui e de outros países... Tudo e bem mais emprestam ao livro de Lúcia Martins os requisitos da variedade e unidade do argumento, cujas ideias são ordenadamente cosidas em movimentos às vezes ascendentes, ora descendentes, destacando essas mesmas ideações conforme as circunstâncias em que se apoiam, relativamente a local, importância das pessoas, tempo, descaso do Governo, cangaço et coetera, o que demonstra na Autora a estrita obediência aos ditames da teoria literária.

Pequenina – grandiosa personagem/narradora da estória – [...] deve ter vivido numa das muitas heroínas que povoaram os sertões daqueles tempos [...], passando, conforme expressou Antero de Quental, no poema Tentanda Via, sobre ruínas, como quem vai pisando um chão de flores; convivendo com bichos, seca, enchente, peste e cangaço; lutando com crase boa, como Mário, seu segundo consorte, trabalhador e honesto, marido amoroso, pai extremoso; com estirpe de Padre Bernardino – o Anchieta do Sertão – conforme o cognominou a satânica personagem Major Alexandre, o terceiro marido.

Nada de novo sob o sol, com título alegórico sob inspiração do mencionado livro bíblico, atribuído (sem certeza) a Salomão, constitui belo e efervescente conjunto, escrito por quem conhecia os meandros do sistema de narrar e que aliou à sua cultura histórica – e humanística, de modo geral – o divino influxo criador e a verdade evangélica do talento. 


*Texto condensado e atualizado de MESQUITA, Vianney. Resgate de Ideias. Fortaleza: Casa de José de Alencar – Universidade Federal do Ceará, 1996.

** Vianney Mesquita é ...
(1) Figura do Romance, terceiro marido de Pequenina.
(2) Crápula em Luzia Homem, de Domingos Olímpio.
(3) Personagem de José de Alencar, em O Guarani.



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