REVÓLVER NÃO MATA NINGUÉM
Reginaldo Vasconcelos*
Revólver não mata ninguém. Até matava
antigamente, quando o mecanismo de percussão era suscetível de disparo
acidental, se a arma caísse ou levasse alguma pancada casual sobre a peça que
faz a agulha acionar a espoleta, conhecida como “cão” (porque o seu formato lembra uma cabeça de cachorro). Mas armas modernas não mais atiram de inopino.
Então, quem pode matar – e tantas vezes
mata – é a pessoa que aciona o gatilho do revólver – ou de qualquer arma de
fogo. Por conseguinte, em vez de perseguir o armamento, como se fosse possível
“desinventá-lo”, proscrevê-lo, eliminá-lo da superfície do Planeta, toda a
energia do Poder Público deveria se concentrar em controlar o usuário da arma,
para coibir o seu uso ilícito.
Cabe analogia com aquele marido traído
que, em vez de pedir o divórcio, toca fogo no sofá da sala em que ocorreu o
adultério. Entende-se que o móvel lhe cause a mesma repulsa que o revolver
provoca nos militantes do Movimento Viva Rio, e em outros cidadãos pacatos,
traumatizados pela criminalidade no País – porém não são os sofás que promovem
a traição das esposas, que pode acontecer em outros locais. Então, proibir sofás não salvaria matrimônios.
Sequer adianta se empenhar obstinadamente
em tomar a arma de fogo do facinoroso, porque, sem esta, ele passará a utilizar
a arma branca, ferramentas agrícolas, cacos de vidro, porretes, barras de
ferro, enfim, tudo aquilo que se conhece em criminologia como “arma eventual”.
Armas eventuais vão desde um seixo do chão
até um travesseiro que se use para sufocar quem está dormindo – algumas vezes
provocando mortes muito mais sangrentas e dolorosas que as causadas por um
tiro. Configuram o “meio cruel”, previsto no código penal (art. 121, § 2.º, III), que agrava o crime de homicídio, praticado dessa forma normalmente
por quem quer matar, e não dispõe de uma arma de fogo.
Essa é a verdade. Quando, por exemplo, os
jovens psicopatas americanos não mais tiverem acesso a armas de guerra para
matar a granel seus professores e colegas, não será por isso que eles vão ficar
curados de sua sanha criminosa. Eles vão promover chacinas com incêndios e
explosões, lançando bombas caseiras e coquetéis Molotov – ou envenenando caixas
d’água. Por sinal, recentemente um estudante chinês feriu e matou outros em sua
escola, empunhando uma simples faca.
Isso porque o problema é o agente, e não o
meio que utiliza. É óbvio que não é a arma de fogo que produz os matadores, mas
os distúrbios psíquicos ou transtornos ideológicos dos sociopatas. E o modus operandi do Estado Islâmico, que
usa facas, adagas, explosivos e gasolina para trucidar as suas vítimas, é prova disso.
Já quando se toma a arma de fogo do honrado
cidadão, e se lhe proíbe o uso, se lhe tira o meio eficiente de proteger a
própria integridade, a sua casa, a sua família, diante de um injusto agressor
mais corpulento ou numeroso, já que a polícia não é nem poderia ser onipresente.
Isso produz o mesmo desequilíbrio de forças que havia quando era a compleição
física e a superioridade numérica que regulava a sociedade, no medievo, na antiguidade.
Sim. O que detém o vizinho embriagado,
furioso e brutamontes de invadir a casa do outro para agredi-lo ou para
violentar sua família é a presunção de que este disponha de uma arma de defesa,
diante da qual o porte físico não se impõe. Assim, ao criminalizar a arma
lícita, além de se estabelecer a “lei do mais forte”, privilegia-se o interesse
do bandido.
Não exatamente porque a vítima armada possa
reagir e sempre matar o assaltante – pois se sabe que muitas vezes a reação é
mal sucedida – mas pelo efeito dissuasório que uma cidadania sabidamente bem
armada exerce sobre o delinquente, que tende a reduzir o seu ânimo delitivo,
por temer a reação potencialmente mortal de cada um. Há países nórdicos altamente civilizados em que ter em casa a sua arma cidadã é obrigatório. Lá, certamente uma sucursal do PCC não vingaria.
Aliás, é absolutamente falsa a afirmação
oficial de que a chamada Lei do Desarmamento reduziu a criminalidade no Brasil,
pois a violência é sempre mais insidiosa, espraiando-se hoje dos grandes
centros urbanos para os rincões do interior.
É lógico. Sabendo o criminoso estarem as
pessoas de bem inermes, por força de lei, fica muito mais fácil, e até estimulada,
a sua ação predatória contra a cidadania indefesa – a qual o Governo
considera incapaz de eventualmente promover a sua própria tutela, habilitada
para conduzir veículos, mas, segundo ele, absolutamente inábil para possuir e manusear corretamente
uma arma defensiva.
A indigência sentimentalista e demagógica
desta política pública brasileira de desarmamento, em vez de considerar a
psicologia de massas para aproveitar os seus efeitos, fica se detendo na
pessoalidade eventual de alguém que morra durante a reação a um assalto, ou por
um disparo acidental. Automóveis, instalações elétricas, piscinas residenciais,
estas coisas matam acidentalmente milhares de pessoas por ano em todo o mundo,
e ninguém cogita proibi-las.
Então o Governo vai a público dizer que não
se reaja aos criminosos, rendendo-se pacificamente aos seus ataques, em face do
efeito surpresa – o que poderia ser um ótimo conselho, se transmitido durante
um curso destinado a pessoas “fichas limpas”, que se estivessem habilitando a
usar uma arma lícita.
Mas o Governo prega o acovardamento da
população à bandidagem, que ele mesmo não consegue deter, e preconiza ainda aos quatros
ventos que “quem usa arma é policial ou bandido”, legitimando dessa forma a arma
ilícita, confundindo-a com o instrumento de trabalho da polícia.
Com efeito, ao se divulgarem abertamente
esses conceitos na propaganda oficial se termina por estimular a ação criminosa,
tendo em vista que a mensagem penetra por meio eletrônico nos guetos sórdidos, e até
nos presídios, que se dizem “as universidades do crime” no Brasil.
Certa vez, em Fortaleza, um assaltante
rendido por um cidadão e conduzido à Polícia denunciava ao Delegado, diante de câmaras e microfones de uma reportagem de TV, que sua pretensa vítima usara uma arma
contra ele: “Doutor, ele estava armado, e
atirou em mim. Quase fez um’arte comigo. Eu uso arma porque sou bandido, mas
ele não é cidadão? Veja aí se ele tem porte de arma!”.
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