sábado, 24 de agosto de 2019

POEMA - O Mais-Que-Perfeito (RV)


O Mais-que-perfeito
Vinicius de Moraes*


Ah, quem me dera
Ir-me contigo agora
A um horizonte firme, comum,
Embora amar-te.

Ah, quem me dera amar-te
Sem mais ciúmes,
De alguém em algum lugar
Que nem presumes.


Ah, quem me dera ver-te
Sempre a meu lado,
Sem precisar dizer-te,
Jamais, cuidado!

Ah, quem me dera ter-te,
Como um lugar
Plantado num chão verde,
Para eu morar-te.

Ah, quem me dera ter-te,
Morar-te até morrer-te.




"A poesia não é de quem a escreve, mas de quem precisa dela”.
 (Mário, personagem do filme "O Carteiro e o Poeta")


Mário, o ingênuo carteiro do filme italiano de 1994, do livro de Antonio Skármeta, “O Carteiro e o Poeta” (Il Postino). 

Apaixonado por sua Beatrice Russo, o carteiro assina e dedica a ela um poema de Pablo Neruda, e confessa a Neruda tê-lo feito.

Ante a reclamação de plágio que o autor lhe faz, compreensivo e condescendente, ele reage com essa frase magistral. 





NOTA DO EDITOR

Esse poema de Vinícius de Moraes, que Maria Betânia declama na gravação de um documentário para a televisão, tem uma curiosa e ousada inversão, semelhante àquela que o poeta praticou no seu “Soneto da Fidelidade”:

De tudo ao meu amor serei atento / Antes e com tal zelo, e sempre, e tanto...

A ordem lógica dos termos seria:

Antes de tudo ao meu amor serei atento / e com tal zelo, e sempre, e tanto...

Neste poema “O Mais-Que-Perfeito” a inversão também ocorre na primeira estrofe:

Ah, quem me dera / Ir-me contigo agora / A um horizonte firme, comum / Embora, amar-te.

A ordem lógica dos termos seria:

Ah, quem me dera / Ir-me contigo embora agora / A um horizonte firme, comum / Amar-te.

Já no último verso do poema, Vinícius dota o verbo “morrer” de transitividade, quando em português ele é intransitivo: “Morrer”. Ninguém se morre, e ninguém morre outrem.



COMENTÁRIO

É muito bom ler os acréscimos editoriais. Eles enriquecem os textos.

Júlio Soares.


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