sábado, 17 de agosto de 2019

CRÔNICA - Voltar ao Início (ES)


Voltar ao início
Edmar Santos*


Roberto trazia consigo um caixa de dúvidas, que guardou em seu arquivo mental; resolveu remexê-la e tentar solucionar algumas delas. De sorteio pensante resultou na escolha, talvez, da mais complexa: “Por que vivo, o quê, e como vivo?”. Sua cabeça doía.

Não possuía a cinemática dos filósofos e sua inquietude, ao invés de fazê-lo parar para reflexões, o fazia sentir vontade de caminhar. Era como se a dinâmica de suas pernas lhe gerasse energia cerebral para raciocinar sobre resoluções dos problemas que o afligiam. E a dúvida presente lhe faria caminhar muito!

O tênis Adidas, já surrado, lhe era velho companheiro das andanças, e nesta, ante a proximidade do fim de vida útil, talvez fosse realmente a última. Calçado com o sempre parceiro, Roberto saiu de casa e, circundando a lagoa do bairro Parangaba, cuja margem encontra-se em obras de requalificação, seguiu a paços lentos pela Avenida José Bastos, em direção ao Centro da Cidade. Escolheu ir, sem saber para onde.

Pensamento viajante, buscava entender:

 – Sou o que vivo. O que consegui ser! – sua consciência dialogava com ele.

 – Se afirmares, não tens dúvida.

 – Afirmo, no entanto não sei o que me fez chegar a viver assim.

 – Talvez a resposta seja refazer o caminho.

 – Daí eu necessitaria voltar ao ventre de minha mãe. E claro, é impossível!

 – Não está em exercício de pensamento? Refaça-o assim: pensando, lembrando, refletindo. Regresse!

 – Parece fácil quando você propõe. Mas não consigo! Já tentei outras vezes; não é novidade o que diz.

– Não, não é! Mas você bem que pode procurar a ajuda de quem possa lhe direcionar. Em seu tempo existem pessoas que lidam com isso.

 – Agora você está tentando me convencer que estou... sei lá... doente?

– Não, estou nos auto-preservando, porque doentes é o que seremos se você não resolver essa angústia. Te dou uma pista que pode ajudar: somos frutos de nossas escolhas, ou do que escolheram pra nós e passivamente seguimos. O que dá no mesmo.

 – Quer dizer que sou eu o culpado do que sou e vivo? Tolice! Que pensamento é esse agora?!

 – Não se trata de culpa, mas sim de consequências.  Vamos lá, não seja tão duro consigo mesmo; melhor, conosco!

Sua consciência lhe apresentara uma possível solução, ou caminho para ela. Reconhecer o protagonismo sobre a própria vida, afastando-se do vitimismo; reconhecer que sozinho é mais difícil e procurar ajuda, talvez fosse o grande momento de reorganização do arquivo mental, cuja bagunça lhe trazia ansiedade e estresse. Um lugar para ir.


Roberto sentiu uma leve brisa no dedão do pé esquerdo. Olhou e viu que o Adidas não resistiu à caminhada e rasgou. Viu que seu amigo lhe indicara a hora de voltar para casa. Pelo celular, pediu um UBER.


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