TEORIA CRÍTICA
Rui Martinho Rodrigues*
A modernidade reforçou, entre outras coisas, a racionalidade
econômica. Criou um ambiente de liberdade após o absolutismo dos primeiros
tempos posteriores ao período medieval. A racionalidade e a impessoalidade
próprias da modernidade criaram uma nova economia, desenvolveram a ciência e as
estruturas políticas e jurídicas democráticas. Os meios de produção (capital)
assim orientados formam o “modo de produção capitalista” ou capitalismo, no
dizer de Karl Heirinch Marx (1818 – 1883). A economia assim descrita passou a
designar toda a sociedade, considerando que a economia é uma infraestrutura que
determina tudo na sociedade. Trata-se de um reducionismo econômico determinista.
A sociedade assim formada transcende a economia. Deveria ser designada como
moderna.
A prosperidade do proletariado frustrou o apelo revolucionário a
ele dirigido. Pensadores “progressistas” reconheceram a necessidade de recorrer
a outras categorias. Nação foi uma categoria incorporada ao léxico dos
internacionalistas. Era oportuno explorar a paixão nacionalista em tempos de
descolonização, como Stalin fizera quando da “grande guerra patriótica”. Grupos
étnicos, confessionais, etários ou geracionais, ao lado de categorias de
comportamento seriam as novas frentes de luta revolucionária. A luta de classe,
contra o capital, já não é prioritária. Pais, conjuges, professores, homens
tornaram-se a encarnação da opressão e do mal.
Poder, vigilância, controle difuso e omnipresente tornaram-se alvo
das cogitações emancipacionistas, sem a necessária vinculação com Estado,
capitalismo, luta de classe. Assim todos são oprimidos. A crítica incide sobre
tudo. Crítica se faz desde fora do objeto criticado. Críticos de toda a
realidade se colocam fora do mundo real. Assim um revolucionário multimilionário,
como Max Horkheimer (1895 – 1973), pode falar em nome da consciência dos
oprimidos e pode se esquivar do fracasso das experiências históricas de
emancipação no mundo real; pode ignorar os êxitos do objeto criticado. É a
dialética negativa posicionada fora e acima de tudo.
José Guilherme Merquior (1941 – 1991) ressaltou o niilismo de
Michel Foucault (1926 – 1984). Quando tudo está errado não sobra nada que se
possa opor ao crítico. Niilistas se colocam acima do bem e do mal. Repudiam os
valores da “moral burguesa” mas não deixam de invocá-los para aliciar
seguidores, defendo solidariedade, justiça e igualdade.
O relativismo cognitivo e axiológico permite tudo. Verdade só é
possível quando posta pelos autores da crítica social. Contra eles não existe
verdade objetiva. Tudo que se lhes oponha é desqualificado como expressão do
poder dominante. Críticos do “consumismo” não se furtam de frequentar bares
chiques, restaurantes chiques, lugares turísticos chiques, usar roupa da moda
chique, morar em imóveis chiques. Não se constrangem com as contradições. A
dialética, que no dizer de Lucio Colletti (1924 – 2001) é uma senhora de
costumes cognoscitivos fáceis, virá salvá-los. É fácil dizer que não existe verdade
adjetivando-a como absoluta para confundir absolutidade com objetividade.
O crítico de tudo é o acusador e o adversário. Coloca o outro em
posição de defesa, no banco dos réus enquanto sai do foco da crítica. Não
precisa explicar o fracasso das suas experiências, a contradição das suas
práticas, a sua intolerância sob a camuflagem da crítica, o seu ódio disfarçado
em “indignação cívica”, a sua inveja proferida em nome da igualdade. Basta
atribuir essas coisas ao outro. A imunização cognitiva é impermeável à razão.
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