terça-feira, 20 de agosto de 2019

ARTIGO - Nabuco: Perfil de Um Embaixador nos EUA (LA)


NABUCO:
PERFIL DE UM
EMBAIXADOR NOS EUA
Luciara Aragão*


No momento atual, em que o Brasil busca definir novos parceiros internacionais, renova-se o desejo do atual governo com relação ao estreitamento da aliança com os Estados Unidos defendida com ardor semelhante ao de Joaquim Nabuco, nosso primeiro embaixador (1905-1910). Este desejo envolve a exigência de um novo embaixador, cargo que vem sendo depreciado nos últimos tempos, por controvertidas escolhas políticas, diversas dos parâmetros de uma carreira estruturada nos moldes da solidez do Itamaraty de então. 

À época de Nabuco, o contexto mundial agressivo, sublinhado pelo revigorar do imperialismo, levou Nabuco a adesão ao monroismo. Na recém-inaugurada embaixada, em cumprimento as orientações de Rio Branco, embora com táticas diferentes, manteve-se o objetivo enfático da aproximação bilateral. Diferente de Rio Branco, mais arguto e realista, até porque cuidava na chefia do ministério dispondo de um horizonte maior e mais amplo, Nabuco só se desapontaria após a Conferência de Haia, (1907) quando a delegação norte-americana destoou das posições brasileiras. Ambos, chanceler e embaixador, concluíram pela fragilidade das alianças de cooperação não escrita, independente de considerações no que diz respeito a ver os Estados Unidos como leadership continental.

Vivia-se então um reestruturar do sistema internacional com o surgimento de novos atores como a Itália, o Japão e a Rússia bem como os Estados Unidos e a Alemanha, num mundo que questionava a herança do antigo Concerto Europeu, fundamentado na tradicional proeminência britânica sedimentada por séculos de poder. A América do Sul não poderia estar excluída das disputas desses dois países emergentes mais expressivos, Alemanha e Estados Unidos. 

A atuação norte-americana sublinhava o interesse pelo controle continental com a Operação pan-americana e a Doutrina de Monroe. Sem dúvida, o Brasil era um país secundário e necessitado de uma otimização de inserção internacional que lhe permitisse a obtenção de seus interesses. A vertente plausível foi o caminho da americanização.  Já ligados aos Estados Unidos pelo pacto colonial como país agroexportador, incorporam os novos conceitos embutidos no pan-americanismo e no monroismo, e os acrescidos de aliança, de raça e meio e de desenvolvimento, ganham, forte dimensão (Reis Pereira, 2006, p.18).

A criação da embaixada brasileira em Washington simboliza não só a mudança de um novo polo de poder, representado pelos Estados Unidos, mas o reconhecimento da transferência do eixo diplomático londrino. Neste contexto histórico de instabilidade reconhecida, entre o imperialismo europeu e a política expansionista dos EUA, trabalha Rio Branco e Nabuco. 

A escolha de Nabuco advém da sua experiência como adido em Nova York, da sua fama luminosa de abolicionista convicto, do reconhecimento de seu traquejo social e beleza, conhecido que foi como Quincas, o belo, acrescido de ser parte integrante da intelectualidade brasileira de então, como membro fundador da Academia Brasileira de Letras, ao lado do seu núcleo mais forte e reconhecido, com nomes como José do Patrocínio, Euclides da Cunha, Machado de Assis, Graça Aranha e Oliveira Lima.

A política entre os dois países visou a ser pragmática e baseada na Realpolitik internacional (Ricupero, 1996 p. 40). O relacionamento com os EUA, viga mestra da política externa de Rio Branco, usada como um meio para objetivos sub-regionais e nacionais, como a política cafeeira e a criação da embaixada com o prestigio da  figura de Nabuco, contava com o aval da opinião pública e tal como no passado – com o casamento de D. Pedro I com a princesa  Leopoldina – elevou o Brasil ao patamar de  igualdade com as potências europeias.

Hoje, recém- saídos de uma política externa equivocada  sob o pretexto de  formação de eixos  como fortalecimento do Mercosul e aproximações com países africanos, com ostensivo distanciamento de Washington, a redefinição de parcerias estratégicas é uma urgência. Visitar o passado para rever as posições de Rio Branco e de Nabuco, numa conjunção de pragmatismo e realismo, eloquência, retórica irrepreensível e o respeito reconhecido a ambos, é um pouco como buscar a inspiração para uma atual parceria estratégica exitosa.

Naturalmente, não se pode pôr a perder um século de relacionamento e cooperação econômica, cultural e militar com os Estados Unidos. Tampouco ignorar a contribuição dos europeus na civilização americana, apenas habilitar-se a participar das novas oportunidades de desenvolvimento e projeção internacional e efetivação dos ideais de progresso econômico e bem estar social. Como ontem, a aceitação da premissa norte-americana da consecução da paz pelo exercício de poder merece reflexões, mas a própria essência da função de embaixador, e mesmo a de Chanceler, resulta em desgastantes modificações.

As possibilidades de ação no cargo de embaixador no passado, importante elemento político, um verdadeiro agente político do Estado, sofrem uma certa redução com o aceleramento dos meios de comunicação. Todavia, ele não é um mero executor das políticas de chancelaria, tendo oportunidades de ação e influência em muitos casos, São as situações vividas no meio diplomático as que lhe permitem ação mais adequada, dado a sua proximidade com os conselhos e governos estratégicos onde atua. A norma é a crença de que o embaixador tem melhores informações da política local de onde está acreditado, podendo assim imprimir maior lucidez e clareza as suas informações e decisões para o bem do Estado. Das suas tomadas de decisão e discursos habilíssimos, embora não só delas, se constrói o frágil fio que sustenta uma política externa exitosa, notadamente no caso da relação bilateral Brasil-EUA.

Mais de um século nos separam das figuras de Rio Branco e Nabuco, mas elas parecem eternas referências de um período difícil de episódios como o fracasso da construção do ABC, feito também de desencantamentos e capacidade de contornar desafios e dificuldades. Agora, seguimos com escolhas duvidosas, políticas de incerteza e leiloamento de cargos. O tempora, o mores...


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