NABUCO:
PERFIL DE UM
EMBAIXADOR NOS EUA
Luciara Aragão*
No momento atual, em que o Brasil busca definir novos parceiros
internacionais, renova-se o desejo do atual governo com relação ao
estreitamento da aliança com os Estados Unidos defendida com ardor semelhante
ao de Joaquim Nabuco, nosso
primeiro embaixador (1905-1910). Este
desejo envolve a exigência de um novo embaixador, cargo que vem sendo
depreciado nos últimos tempos, por controvertidas escolhas políticas, diversas
dos parâmetros de uma carreira estruturada nos moldes da solidez do Itamaraty
de então.
À época de Nabuco, o contexto mundial agressivo, sublinhado pelo revigorar
do imperialismo, levou Nabuco a adesão ao monroismo. Na recém-inaugurada
embaixada, em cumprimento as orientações de Rio Branco, embora com táticas
diferentes, manteve-se o objetivo enfático da aproximação bilateral. Diferente
de Rio Branco, mais arguto e realista, até porque cuidava na chefia do
ministério dispondo de um horizonte maior e mais amplo, Nabuco só se
desapontaria após a Conferência de Haia, (1907) quando a delegação
norte-americana destoou das posições brasileiras. Ambos, chanceler e
embaixador, concluíram pela fragilidade das alianças de cooperação não escrita,
independente de considerações no que diz respeito a ver os Estados Unidos como leadership
continental.
Vivia-se então um reestruturar do sistema internacional com o
surgimento de novos atores como a Itália, o Japão e a Rússia bem como os
Estados Unidos e a Alemanha, num mundo que questionava a herança do antigo Concerto
Europeu, fundamentado na tradicional proeminência britânica sedimentada por
séculos de poder. A América do Sul não poderia estar excluída das disputas desses
dois países emergentes mais expressivos, Alemanha e Estados Unidos.
A atuação
norte-americana sublinhava o interesse pelo controle continental com a Operação
pan-americana e a Doutrina de Monroe. Sem dúvida, o Brasil era um país
secundário e necessitado de uma otimização de inserção internacional que lhe
permitisse a obtenção de seus interesses. A vertente plausível foi o caminho da
americanização. Já ligados aos Estados
Unidos pelo pacto colonial como país agroexportador, incorporam os novos
conceitos embutidos no pan-americanismo e no monroismo, e os acrescidos de
aliança, de raça e meio e de desenvolvimento, ganham, forte dimensão (Reis
Pereira, 2006, p.18).
A criação da embaixada brasileira em Washington simboliza não só a
mudança de um novo polo de poder, representado pelos Estados Unidos, mas o
reconhecimento da transferência do eixo diplomático londrino. Neste contexto
histórico de instabilidade reconhecida, entre o imperialismo europeu e a política
expansionista dos EUA, trabalha Rio Branco e Nabuco.
A escolha de Nabuco advém
da sua experiência como adido em Nova York, da sua fama luminosa de
abolicionista convicto, do reconhecimento de seu traquejo social e beleza,
conhecido que foi como Quincas, o belo, acrescido de ser parte
integrante da intelectualidade brasileira de então, como membro fundador da
Academia Brasileira de Letras, ao lado do seu núcleo mais forte e reconhecido,
com nomes como José do Patrocínio, Euclides da Cunha, Machado de Assis, Graça
Aranha e Oliveira Lima.
A política entre os dois países visou a ser pragmática e baseada na
Realpolitik internacional (Ricupero, 1996 p. 40). O relacionamento com os EUA,
viga mestra da política externa de Rio Branco, usada como um meio para objetivos
sub-regionais e nacionais, como a política cafeeira e a criação da embaixada
com o prestigio da figura de Nabuco,
contava com o aval da opinião pública e tal como no passado – com o casamento
de D. Pedro I com a princesa Leopoldina –
elevou o Brasil ao patamar de igualdade
com as potências europeias.
Hoje, recém- saídos de uma política externa equivocada sob o pretexto de formação de eixos como fortalecimento do Mercosul e
aproximações com países africanos, com ostensivo distanciamento de Washington,
a redefinição de parcerias estratégicas é uma urgência. Visitar o passado para
rever as posições de Rio Branco e de Nabuco, numa conjunção de pragmatismo e
realismo, eloquência, retórica irrepreensível e o respeito reconhecido a ambos,
é um pouco como buscar a inspiração para uma atual parceria estratégica
exitosa.
Naturalmente, não se pode pôr a perder um século de relacionamento
e cooperação econômica, cultural e militar com os Estados Unidos. Tampouco
ignorar a contribuição dos europeus na civilização americana, apenas habilitar-se
a participar das novas oportunidades de desenvolvimento e projeção
internacional e efetivação dos ideais de progresso econômico e bem estar
social. Como ontem, a aceitação da premissa norte-americana da consecução da
paz pelo exercício de poder merece reflexões, mas a própria essência da função
de embaixador, e mesmo a de Chanceler, resulta em desgastantes modificações.
As possibilidades de ação no cargo de embaixador no passado,
importante elemento político, um verdadeiro agente político do Estado, sofrem
uma certa redução com o aceleramento dos meios de comunicação. Todavia, ele não
é um mero executor das políticas de chancelaria, tendo oportunidades de ação e
influência em muitos casos, São as situações vividas no meio diplomático as que
lhe permitem ação mais adequada, dado a sua proximidade com os conselhos e
governos estratégicos onde atua. A norma é a crença de que o embaixador tem
melhores informações da política local de onde está acreditado, podendo assim
imprimir maior lucidez e clareza as suas informações e decisões para o bem do
Estado. Das suas tomadas de decisão e discursos habilíssimos, embora não só
delas, se constrói o frágil fio que sustenta uma política externa exitosa,
notadamente no caso da relação bilateral Brasil-EUA.
Mais de um século nos separam das figuras de Rio Branco e Nabuco,
mas elas parecem eternas referências de um período difícil de episódios como o
fracasso da construção do ABC, feito também de desencantamentos e capacidade de
contornar desafios e dificuldades. Agora, seguimos com escolhas duvidosas,
políticas de incerteza e leiloamento de cargos. O tempora, o mores...
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