PEDRO MALASARTES HOJE
Rui Martinho Rodrigues*
A segunda turma do STF anulou a sentença condenatória proferida contra
Aldemir Bendine, mantida em segundo grau. Sem tantas instâncias a condenação
teria transitado em julgado. Motivo da anulação: a ordem (sequência) com que se
pronunciaram as partes contrariou a ampla defesa, porque a defesa não falou
depois dos colaboradores. Examinando os seus aspectos extrínsecos do processo,
consideramos que a decisão anulatória cria uma nova regra, embora não seja a
primeira vez que um caso envolvendo colaboração premiada chega ao Pretório
Excelso.
Admitindo-se, dentro de certos limites, a autopoiese do Direito, o
ato legislativo praticado pelo Judiciário até pode ser admitido. Mas não deixa
de merecer registro o fato de que tal entendimento tenha aparecido no momento
em que investigações criminais e condenações estão atingindo os “mais iguais”,
como os porcos da Revolução dos Bichos de George Orwell (1903 – 1950), da
República dos “tristes trópicos”, no dizer de Claude Levy-Strauss (1908 –
2009).
O TRF/4, o juiz de primeiro grau e o MPF de primeiro, segundo e até
quarto grau entenderam diferente. A pluralidade de entendimentos é própria do
Direito, pode-se alegar. A terceira instância não tem sido mencionada no noticiário.
Não fica claro se o caso foi julgado no STF sem ter passado no STJ, o que
configuraria supressão de instância, procedimento irregular. A decisão foi
amplamente majoritária, mas não unânime. Nem foi do plenário. Seria mais
prudente que o ato legislativo do STF, inovando norma processual em um caso
envolvendo pessoas “mais iguais”, fosse decidido pelo plenário daquela Corte.
O Ministro Luiz Edson Fachin, o TRF/4, o juiz de primeira instância
e o MPF de todos os graus entenderam que colaboração é instrumento processual e
como tal não modifica a ordem de manifestação das partes, e que não há distinção
entre réus na sequência de pronunciamento. Argumento lógico, embora se possa afastar.
O momento, o caso dos réus especiais e a aparente influência vinda de fora dos
autos, porém, compromete a decisão. A publicação de gravações de procuradores e
do então juiz Sérgio Fernando Moro, não acostadas nos autos, não periciadas,
não submetidas ao crivo do contraditório e obtidas ilegalmente, ao lado da
citação do nome de ministros do STF por parte dos personagens gravados, teriam
influenciado decisão da segunda turma do STF?
O Ministro Gilmar Ferreira Mendes concedeu à imprensa mais uma de
suas muitas entrevistas, após o julgamento que resultou na polêmica decisão. Mais
uma vez falou fora dos autos. Vociferando por entre os dentes, referiu-se aos
integrantes da Lava Jato, como “essa gente ordinária”, ofendido pelo teor das
gravações mencionadas. Revelou forte carga emocional. Teria ele isenção para
julgar a matéria? Os demais ministros teriam agido motivados por sentimento
corporativista em face das críticas que o STF tem sofrido?
Tancredo de Almeida Neves (1910 – 1985) dizia que os nossos
problemas não se resolvem, apenas se agravam. Comportamentos reprováveis por parte
de autoridades estão entre os males aludidos por Tancredo. Mário Raul Morais de
Andrade (1893 – 1945) pintou o Macunaíma como um personagem sem caráter,
inescrupuloso, espertalhão.
Pedro Malasartes, cujas origens, segundo Luís da
Câmara Cascudo (1898 – 19986), estão na Cantiga do Cancioneiro da Vaticana, de
1132, é outro personagem astucioso e sem preocupações éticas que quer levar
vantagem em tudo. Fernand Braudel (1902 – 1985) distingue os tempos históricos
de curta, média e longa duração. Espertalhões fazem parte da longa duração na
cultura ibero-americana. Ariano Vilar Suassuna (1927 – 2014) criou o João
Grilo, com traços semelhantes aos de Pedro Malasartes. Já se disse que nada
acontece na política sem que antes aconteça na arte. Casuísmos rondam o ativismo
judicial. Pedro Malasartes já estava na literatura desde longa data.
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