segunda-feira, 12 de março de 2018

CRÔNICA - Sim, Eu Gosto Muito de Ópera (HE)



SIM, GOSTO MUITO DE ÓPERA
Humberto Ellery*



O Capitão-de-Fragata Gilberto Spínola Lavanère Wanderley era Comandante da Escola de Aprendizes Marinheiros, enquanto eu era chefe do Departamento de Ensino daquela instituição militar, e tornou-se meu grande amigo, pessoa por quem tive grande admiração e respeito.

No início dos anos oitenta, eu já pedira exoneração da Marinha Brasileira, para trabalhar como Técnico de Planejamento e Pesquisa do IPEA, em Brasília, quando recebi pela TV a notícia de que o Comandante Wanderley fora assassinado na praia do Pepino, no Rio, por resistir a um assaltante que tentou arrancar-lhe um cordão de ouro que trazia ao pescoço. Foi um terrível choque para mim. Lamentável, um pai de família exemplar, oficial brilhante, excelente caráter, terminar sua vida dessa maneira violenta e triste. 

Certa vez, um domingo pela manhã, o Comandante Wanderley me chamou à sua casa para tratarmos de um assunto importante que não poderia esperar pela segunda-feira.

Ao chegar à sua residência fui recebido por sua esposa e as duas filhas, pela porta da cozinha, onde tomavam o café da manhã, pois eu já gozava da intimidade da família. As três, ao me avistarem,  levaram o indicador aos lábios naquele sinal inconfundível de “silêncio”. Em seguida, aos sussurros, fui encaminhado à sala de estar.

Eu estava sem entender todo aquele ar de mistério, mas entrei na sala. O Comandante, sentado em uma poltrona, enquanto com a mão direita fazia também o sinal de silêncio, com a outra mão me indicou a poltrona ao seu lado. Ele estava ouvindo uma ópera, que, se bem me lembro, era “A Flauta Mágica” de Mozart. A seguir me passou uma cópia em português do libreto.

Meio aparvalhado, comecei a tentar entender a ópera, mas foi um esforço danado, pois ela era cantada em alemão, o que não era problema para o Comandante – um intelectual brilhante, poliglota, culto, e de um gosto artístico refinado.

Ao final, candidamente, ele me perguntou:

– Ellery, você gosta de ópera?

Eu demorei alguns segundos, para tentar dar uma resposta inteligente, que não o decepcionasse, e, ao mesmo tempo, era forçoso reconhecer minha ignorância.

Respondi, com toda a sinceridade:

– Comandante, ninguém ama o que não conhece. Acho que se eu tivesse contato com o mundo da ópera eu iria gostar, pois ela reúne música, teatro, literatura, coisas que eu aprecio muito. Mas, aqui no Ceará, eu só tive oportunidade de assistir a uma opereta, “A Valsa Proibida”, de autoria do Professor Paurilo Barroso, com a Ayla Maria e o Raimundo Arrais nos papéis principais.

Para minha surpresa ele disse:

– É um bom começo, eu conheço essa opereta e você deve começar assim, pelas obras mais leves, para depois chegar em Verdi, Mozart, Wagner – e passou a discorrer sobre “A Flauta Mágica” que acabáramos de ouvir.

Um dias desses recebei do meu grande amigo Zeaugusto Câmara, um e-mail trazendo o vídeo (LINK ABAIXO) de um flash mob sobre ópera, acontecido em Pamplona, na Espanha, que inicia com a ária Libiamo ne´liete calice, do preludio da  La Traviata de Verdi, passa depois por Carmem, de Georges Bizet, inclusive a ária El Toreador, e a minha favorita, O Coro dos Escravos Hebreus, da ópera Nabucco, de Giuseppe Verdi.


Essa  ópera foi composta em meados do século XIX, quando o Império Áustro-Hungaro ocupou o norte da Itália, a região do Vêneto e da Lombardia, e o Verdi fez algumas óperas condenando a invasão, de forma a fazer uma analogia, no caso da ópera Nabucco, comparando o sofrimento dos nacionalistas italianos com os escravos hebreus levados cativos para a Babilônia, por Nabucodonosor.

Por essa época, os inflamados patriotas italianos, em seu levante, durante a Guerra da Independência Nacional, escreviam nos muros “Viva Verdi”, em que Verdi era escrito como um acróstico de Vitório Emanuele Re D`Italia. Daí a grande importância dessa ária, ainda hoje, para i tuoi paisani. 

Recentemente um deputado italiano, meu xará, Umberto (não lembro o sobrenome) propôs que O Coro dos Escravos Hebreus se tornasse o Hino Nacional Italiano.

Obviamente teriam que fazer algumas poucas modificações na letra, que é inspirada no salmo 136, e começa “Va, pansiero, sull´ali dorate... (vai, pensamento, sobre asas douradas...), e faz referências às margens do Giordano e às torres de Sião.

Imagino a italianada, no Estádio Olímpico de Roma entoando o “Vá, pansiero...”, antes de um jogo da Squadra Azzurra. Seria uma Apoteose. O meu xará está certo!

No referido flash mob, ao final, um dos cantores ergue uma placa em que se lê: “Ves cómo te gusta la Ópera?”.

Passados tantos anos daquele dia com o Comandante Wanderley, hoje minha resposta entusiasmada à sua pergunta seria: “Sì, mi piace molto.”


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