SIM, GOSTO MUITO DE ÓPERA
Humberto Ellery*
O Capitão-de-Fragata Gilberto Spínola Lavanère
Wanderley era Comandante da Escola de Aprendizes Marinheiros, enquanto eu era
chefe do Departamento de Ensino daquela instituição militar, e tornou-se meu
grande amigo, pessoa por quem tive grande admiração e respeito.
No início dos anos oitenta, eu já pedira exoneração
da Marinha Brasileira, para trabalhar como Técnico de Planejamento e Pesquisa
do IPEA, em Brasília, quando recebi pela TV a notícia de que o Comandante
Wanderley fora assassinado na praia do Pepino, no Rio, por resistir a um
assaltante que tentou arrancar-lhe um cordão de ouro que trazia ao pescoço. Foi
um terrível choque para mim. Lamentável, um pai de família exemplar, oficial
brilhante, excelente caráter, terminar sua vida dessa maneira violenta e
triste.
Certa vez, um domingo pela manhã, o Comandante
Wanderley me chamou à sua casa para tratarmos de um assunto importante que não
poderia esperar pela segunda-feira.
Ao chegar à sua residência fui recebido por sua
esposa e as duas filhas, pela porta da cozinha, onde tomavam o café da manhã,
pois eu já gozava da intimidade da família. As três, ao me avistarem,
levaram o indicador aos lábios naquele sinal inconfundível de “silêncio”. Em
seguida, aos sussurros, fui encaminhado à sala de estar.
Eu estava sem entender todo aquele ar de mistério,
mas entrei na sala. O Comandante, sentado em uma poltrona, enquanto com a mão
direita fazia também o sinal de silêncio, com a outra mão me indicou a poltrona
ao seu lado. Ele estava ouvindo uma ópera, que, se bem me lembro, era “A Flauta
Mágica” de Mozart. A seguir me passou uma cópia em português do libreto.
Meio aparvalhado, comecei a tentar entender a ópera,
mas foi um esforço danado, pois ela era cantada em alemão, o que não era
problema para o Comandante – um intelectual brilhante, poliglota, culto, e de
um gosto artístico refinado.
Ao final, candidamente, ele me perguntou:
– Ellery, você gosta de ópera?
Eu demorei alguns segundos, para tentar dar uma
resposta inteligente, que não o decepcionasse, e, ao mesmo tempo, era forçoso
reconhecer minha ignorância.
Respondi, com toda a sinceridade:
– Comandante, ninguém ama o que não conhece. Acho que
se eu tivesse contato com o mundo da ópera eu iria gostar, pois ela reúne
música, teatro, literatura, coisas que eu aprecio muito. Mas, aqui no Ceará, eu
só tive oportunidade de assistir a uma opereta, “A Valsa Proibida”, de autoria
do Professor Paurilo Barroso, com a Ayla Maria e o Raimundo Arrais nos papéis
principais.
Para minha surpresa ele disse:
– É um bom começo, eu conheço essa opereta e você
deve começar assim, pelas obras mais leves, para depois chegar em Verdi,
Mozart, Wagner – e passou a discorrer sobre “A Flauta Mágica” que acabáramos de
ouvir.
Um dias desses recebei do meu grande amigo Zeaugusto
Câmara, um e-mail trazendo o vídeo (LINK ABAIXO) de um flash mob sobre ópera,
acontecido em Pamplona, na Espanha, que inicia com a ária Libiamo ne´liete
calice, do preludio da La Traviata de Verdi, passa
depois por Carmem, de
Georges Bizet, inclusive a ária El Toreador, e a minha favorita, O
Coro dos Escravos Hebreus, da ópera Nabucco, de Giuseppe Verdi.
Essa ópera foi composta em meados do século
XIX, quando o Império Áustro-Hungaro ocupou o norte da Itália, a região do
Vêneto e da Lombardia, e o Verdi fez algumas óperas condenando a invasão, de
forma a fazer uma analogia, no caso da ópera Nabucco, comparando o sofrimento
dos nacionalistas italianos com os escravos hebreus levados cativos para a
Babilônia, por Nabucodonosor.
Por essa época, os inflamados patriotas italianos, em
seu levante, durante a Guerra da Independência Nacional, escreviam nos muros “Viva
Verdi”, em que Verdi era escrito como um acróstico de Vitório Emanuele
Re D`Italia. Daí a grande importância dessa ária, ainda hoje,
para i tuoi paisani.
Recentemente um deputado italiano, meu xará, Umberto
(não lembro o sobrenome) propôs que O Coro dos Escravos Hebreus se tornasse o
Hino Nacional Italiano.
Obviamente teriam que fazer algumas poucas
modificações na letra, que é inspirada no salmo 136, e começa “Va, pansiero,
sull´ali dorate...” (vai,
pensamento, sobre asas douradas...), e faz referências às margens do Giordano e
às torres de Sião.
Imagino a italianada, no Estádio Olímpico de Roma
entoando o “Vá, pansiero...”, antes de um jogo da Squadra Azzurra. Seria
uma Apoteose. O meu xará está certo!
No referido flash mob, ao final, um dos cantores
ergue uma placa em que se lê: “Ves cómo
te gusta la Ópera?”.
Passados tantos anos daquele dia com o Comandante
Wanderley, hoje minha resposta entusiasmada à sua pergunta seria: “Sì, mi piace molto.”
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