UMA VÍTIMA ESPECIAL
Rui Martinho Rodrigues*
Uma vítima de crime brutal, entre milhares, sacudiu
o País. Era mulher, lésbica, negra e pobre. Também era militante, e isso abalou
a Nação. Até o STF introduziu o fato na pauta, saindo de suas funções para
fazer uma manifestação política, quando ministros se pronunciaram, afirmando
justo repúdio em face do acontecimento. Autoridades de todos os “calibres”
vieram a público reverberar contra os assassinos.
Logo as redes sociais encheram-se de
comentários. Uns expressam revolta pela barbaridade, associando o crime à PM;
protestando contra o genocídio dos pobres e afrodescendentes; contra as políticas
repressivas supostamente dirigidas aos moradores da periferia; contra a
repressão ao tráfico de entorpecentes (para defender a legalização das drogas
não precisaria atacar os órgãos de segurança); clamando por políticas sociais e
até imputando o crime aos governantes.
Outros ressaltam que o destaque dado ao
crime contrasta com a indiferença diante das dezenas de vítimas de homicídios.
Fotografias de mulheres negras e pobres, que tiveram suas vidas ceifadas sem
que autoridades, imprensa e militantes dessem atenção ao fato, estão
circulando. São retratos de mulheres da PM do Rio de Janeiro assassinadas tão
cruelmente quanto a vereadora.
É gravíssimo que uma pessoa seja assassinada
por ser ativista política; por ser mulher, pobre, lésbica ou pela cor da pele.
Mas a diferença gritante dada ao caso só se explica pelo ativismo, não por
virtude cívica, pois o trucidamento de pessoas com as mesmas características,
mas sem a militância, tornou-se tragicamente banal. Mas seria mesmo pelo
ativismo? A vítima era uma pessoa pública de grande notoriedade. Criminosos
habitam nas sombras. Matar pessoas notórias atrai as luzes, chama atenção,
contraria a lógica da bandidagem.
Seria o crime um desafio aberto à intervenção
federal no Rio de Janeiro? Neste caso, por que a vítima seria uma vereadora
contrária à intervenção? Por que não seria alguém ligado à política do governo?
Autoridades e políticos geralmente são poupados pela bandidagem, seja para não
atrair as luzes, que por sua vez atraem investigações, seja porque eles
entendem que o embate de agente público com delinquente não é pessoal.
A morte de policiais e demais autoridades se
dá nos confrontos, situação encarada como “acidente de trabalho”, que não deixa
mágoas, porque cada um estava no seu papel. A morte de autoridades ocorre
quando um dos lados quebra a lógica do submundo. A juíza assassinada em Niterói
namorava um soldado integrante de uma facção rival daquela que ela condenou ou
estava em vias de condenar, trabalhando até altas horas no fórum para isso.
A vereadora era eleita no território dominado
por facção criminosa, satanizava a polícia, atribuía a condição de vítima aos
bandidos em cujo território era eleita. A “banda podre” da polícia pode ter
praticado o crime. Mas uma facção rival ou uma milícia também podem ser
responsáveis.
Repudiar o crime é certo. Investigar e punir
os autores é obrigação das autoridades. A paz social depende do monopólio da
violência e do controle do território pelo Estado. Satanizar o trabalho de
contenção do crime; praticar culto à personalidade da vereadora que se elegia
no território dominado por facção criminosa é um grave erro. Alegar para isso a
cor da pele e a condição de mulher, quando outras mulheres negras e pobres são
assassinadas sem que haja a menor repercussão é má-fé ou ingenuidade.
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