UMA
PÓS-MODERNIDADE
TROPICAL
Rui Martinho Rodrigues*
A pós-modernidade se caracteriza pelo relativismo cognitivo e
axiológico, a instabilidade e até ausência de referências, o ecletismo
sincrético, o multiculturalismo diferencialista e a ênfase no particularismo em
razão da recusa dos universais, na forma de recusa de grandes narrativas
teóricas, podendo, paradoxalmente, manter velhas e amplas categorias de larga
abrangência, herdadas das aludidas narrativas.
A negação da razão, tendo como
arrimo a crítica ao indutivismo e até ao dedutivismo, sendo, conforme a
ocasião, empirista ou racionalista, deixa a força como único instrumento de
solução de litígios. Não é só por influência das redes sociais, da
transparência do mundo decorrente da presença universal de câmaras e de
registros eletrônicos indeléveis, que a violência e o acirramento de ânimos
estão em alta. É também pelo relativismo cognitivo e axiológico da
pós-modernidade.
Democracia pode ser tudo que se queira no relativismo da sociedade
líquida (Zygmunt Bauman, 1925 – 2017), sem deixar de ser um poderoso fator de
legitimação. Pode ser casuística, ensejando a Suprema Corte de Justiça mudar de
entendimento conforme a pessoa julgada. Assim, quando o réu se chame Eduardo
Cunha, ou Sérgio Cabral, não terá direito a HC, devendo ser preso, e se for
parlamentar, deverá ser “afastado do mandato”, embora não exista tal figura
jurídica.
Caso, porém, se chame Lula, Berardo Cabral, Guido Mântega, Jacques
Wagner, Gleisi Hoffmann, Erenice Guerra, ou Dilma Rousseff, já podemos modificar o
entendimento, evitando a prisão antes do trânsito em julgado e adiando a denúncia
para quando houver provas incontestáveis da materialidade e da autoria do crime.
Tolerância deve ser proclamada como virtude, mas quando surgir um
conservador ou um liberal a conversa é outra. Pluralismo, paz e amor são
valores, mas a “ira santa”, intolerância e a “indignação cívica” são virtudes
“politicamente corretas” quando se trate de valoração diferente dos
comportamentos ou modelos políticos. Invocamos a lei para todos, mas se temos
um líder que é um grande ícone nas eleições, então devemos colocá-lo acima da
lei, de preferência apresentando-o como vítima de perseguição. Afinal, não existe
verdade, mas perspectiva. Chegamos assim àquilo que alguns chamam de “ética
situacional”, não importa que isso não seja ética nenhuma.
Defendemos o Estado como agente da História para o aperfeiçoamento
do homem e da sociedade. Mas podemos, sem nenhum rubor na face, defender a
perda do controle do território e o monopólio da violência quando se trate de
vitimizar a delinquência como produto da sociedade referida por Karl Raymond
Popper (1902 – 1994) como aberta. Aí podemos defender um Estado Mínimo,
limitado às políticas sociais, sem o poder do Leviatã para defender a paz
social. Afinal, se não existe verdade, o que resta é a retórica, como queriam os
sofistas.
Depois de tudo isso ainda podemos nos queixar de violência, desde
que ela não proceda do lumpemproletariado, nem da pequena burguesia
revolucionária. Em caso de necessidade podemos invocar a Física quântica ou a
relativista, como podemos falar javanês se algum troglodita atravessar o nosso
caminho.
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