quinta-feira, 29 de março de 2018

ARTIGO - Uma Pós-Modernidade Tropical (RMR)



UMA
PÓS-MODERNIDADE
TROPICAL
Rui Martinho Rodrigues*


A pós-modernidade se caracteriza pelo relativismo cognitivo e axiológico, a instabilidade e até ausência de referências, o ecletismo sincrético, o multiculturalismo diferencialista e a ênfase no particularismo em razão da recusa dos universais, na forma de recusa de grandes narrativas teóricas, podendo, paradoxalmente, manter velhas e amplas categorias de larga abrangência, herdadas das aludidas narrativas. 

A negação da razão, tendo como arrimo a crítica ao indutivismo e até ao dedutivismo, sendo, conforme a ocasião, empirista ou racionalista, deixa a força como único instrumento de solução de litígios. Não é só por influência das redes sociais, da transparência do mundo decorrente da presença universal de câmaras e de registros eletrônicos indeléveis, que a violência e o acirramento de ânimos estão em alta. É também pelo relativismo cognitivo e axiológico da pós-modernidade.

Democracia pode ser tudo que se queira no relativismo da sociedade líquida (Zygmunt Bauman, 1925 – 2017), sem deixar de ser um poderoso fator de legitimação. Pode ser casuística, ensejando a Suprema Corte de Justiça mudar de entendimento conforme a pessoa julgada. Assim, quando o réu se chame Eduardo Cunha, ou Sérgio Cabral, não terá direito a HC, devendo ser preso, e se for parlamentar, deverá ser “afastado do mandato”, embora não exista tal figura jurídica. 

Caso, porém, se chame Lula, Berardo Cabral, Guido Mântega, Jacques Wagner, Gleisi Hoffmann, Erenice Guerra, ou Dilma Rousseff, já podemos modificar o entendimento, evitando a prisão antes do trânsito em julgado e adiando a denúncia para quando houver provas incontestáveis da materialidade e da autoria do crime.

Tolerância deve ser proclamada como virtude, mas quando surgir um conservador ou um liberal a conversa é outra. Pluralismo, paz e amor são valores, mas a “ira santa”, intolerância e a “indignação cívica” são virtudes “politicamente corretas” quando se trate de valoração diferente dos comportamentos ou modelos políticos. Invocamos a lei para todos, mas se temos um líder que é um grande ícone nas eleições, então devemos colocá-lo acima da lei, de preferência apresentando-o como vítima de perseguição. Afinal, não existe verdade, mas perspectiva. Chegamos assim àquilo que alguns chamam de “ética situacional”, não importa que isso não seja ética nenhuma.

Defendemos o Estado como agente da História para o aperfeiçoamento do homem e da sociedade. Mas podemos, sem nenhum rubor na face, defender a perda do controle do território e o monopólio da violência quando se trate de vitimizar a delinquência como produto da sociedade referida por Karl Raymond Popper (1902 – 1994) como aberta. Aí podemos defender um Estado Mínimo, limitado às políticas sociais, sem o poder do Leviatã para defender a paz social. Afinal, se não existe verdade, o que resta é a retórica, como queriam os sofistas.

Depois de tudo isso ainda podemos nos queixar de violência, desde que ela não proceda do lumpemproletariado, nem da pequena burguesia revolucionária. Em caso de necessidade podemos invocar a Física quântica ou a relativista, como podemos falar javanês se algum troglodita atravessar o nosso caminho.


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