O MACUNAÍMA PURITANO
Rui Martinho Rodrigues*
Multas de trânsito estão inabilitando pessoas
para a função pública, embora não tenham natureza penal. Sucumbência da parte
reclamada (que não é ré) em ação trabalhista, igualmente, está produzindo o mesmo
efeito, análogo aos maus antecedentes penais.
Tais considerações ocupam espaço na imprensa e
nos pronunciamentos políticos, o que já seria grave, mas até o Judiciário está
acompanhando a onda de rigor draconiano: um juiz de primeiro grau impediu uma
nomeação para o cargo de ministro, pelo Presidente da República em razão de
sucumbência da pessoa nomeada ter sido vencida na justiça Trabalhista,
amparado, posteriormente, pela ministra Carmem Lúcia.
Drácon ou Draconte (650 a.C.– 600a.C.),
legislador ateniense, recebeu poderes especiais para restabelecer a ordem. Fez
uma legislação extremamente severa, que durou pouco. Os atenienses não
suportaram o rigor. Suas leis foram modificadas por Solon (638 a.C. – 558), que
foi capaz de alcançar o equilíbrio entre os exageros da sanha punitivista e a
leniência que estimula a transgressão.
Normas muito rigorosas acabam não sendo
cumpridas, porque os malfeitores planejam formas evasivas. Quem acaba sendo
punido são os inocentes, que não se preocupam em elaborar defesas.
As doações de campanha, por associação com a
corrupção, foram banidas. Querendo fechar a porta para os desvios de conduta de
agentes políticos, resolvemos que elas deveriam ser draconianamente
restringidas. Perdemos a oportunidade de saber quem as faz e quem as recebe,
para melhor vigiá-las. Esquecemo-nos de que: apoiar candidatos é um direito
elementar dos cidadãos; tais apoios nem sempre têm motivação ilícita; doar
dinheiro público como alternativa para financiar campanhas obriga o
contribuinte a apoiar candidatos e partidos que ele não aprova, além de
beneficiar quem não tem representatividade e subtrair recursos dos serviços
públicos carentes de verbas.
O espírito justiceiro inflou a ideia de que a
autoridade pode tomar decisões contrárias ao que manda a lei, para fazer
justiça. Esquecemo-nos de que democracia é o regime da desconfiança.
Por desconfiar das autoridades limitamos os
mandatos políticos; precisamos de leis escritas; criamos garantias contra
invasão de domicílio; proibimos cobrança de impostos sem a observância da
anterioridade e da reserva legal. Macunaíma convertido ao moralismo, todavia,
poderá provar o gosto amargo do arbítrio, por abolir a reserva legal, criando
efeitos penais em ações trabalhistas e multas de trânsito.
Nenhum comentário:
Postar um comentário