O MARINHEIRO E O OCEANO
Reginaldo Vasconcelos*
A visão que tenho da mulher, na minha ótica
masculina, tem evoluído no tempo, desde que me entendi como pessoa. Nascido e criado
durante o ocaso do obscurantismo milenar – segunda metade do Século XX – experimentei a
grande transição cultural que promoveu a igualdade essencial do ser humano.
Mas ainda conheci a mulher encastelada no
status de ser especial, sujeita a estritos deveres morais, quando distinguida
pelo destino para ser esposa ou freira, ou relegada à condição de pária social,
se destinada a suprir os instintos poligâmicos da espécie, nesse caso
impiedosamente rotulada de “mulher desonesta”.
Para o menino que fui não havia distinção:
filho de uma mãe recatada, vivendo numa prole sem irmãs, a mulher para mim,
toda ela, era sempre um ente fabuloso, magnífico, intangível. Fossem as
professoras, as domésticas, as meninas da vizinhança, todas eram objeto da
minha adoração apaixonada. E principalmente as prostitutas, quando a elas tive
acesso na transição da puberdade, causavam-se uma pletora de ternura e
encantamento. Éramos como o observador e a montanha verdejante.
Depois, na aurora boreal dos hormônios, sob a
virilidade solar da juventude, a essa condição de ser etéreo e angelical da mulher – da qual jamais a demiti – somei a de fetiche sensual, fonte
aparentemente inesgotável de carinho e de prazer. Galgaram, então, as moças, no
meu conceito, o altar votivo do mais enlevado culto erótico, sem perder a sua
deidade, sempre alvo do maior respeito e da maior reverência. Era então o
observador na montanha dominando o vale fértil.
Hoje, além de semideusa da estética superior
do Universo, na sublimidade intrínseca de sua condição ontológica, e de
insuperável objeto tátil e lúdico de deleite, a mulher assume ante os meus
olhos a função suprema de companheira imprescindível, alicerce indispensável da
estrutura masculina, arcabouço e argamassa do edifício da família.
A mulher se me afigura hoje o complemento
essencial do macho, que sem ela não existe como tal, porque sem ela se vai
delir moralmente como qualquer criança solitária, perdida no caos da orfandade.
Na maturidade concluo enfim que tenho vivido
em função da mulher, a princípio cativo de seus encantos, como o zangão em
torno da abelha rainha, hoje servo absoluto de sua majestade, sempre a serviço
de sua nobre alma, em troca de um simples olhar seu de aprovação, ou de um
sorriso, ou de um gesto de confiança, ou de um suspiro de prazer que me
conceda. Somos agora como o marinheiro e o oceano.
NOTA: Escrito no dia 08.03.2005 – Dia Internacional da Mulher.
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