A
PRIMEIRA IMPRESSÃO
Assis
Martins*
No meu primeiro dia de trabalho na Imprensa
Universitária da Universidade Federal do Ceará – dia 2 de fevereiro de
1984 – entrei como todo noviço, tímido e hesitante. A figura sisuda do diretor,
Anselmo de Albuquerque Frazão criou na minha mente futuras dificuldades no
nosso relacionamento, principalmente quando disse, logo de cara, ao me apresentar
aos veteranos integrantes do departamento de arte, Elísio Cartaxo e José Maria
Braz:
– Pessoal,
vê se esse baixinho aqui dá no couro...
A primeira impressão (sem trocadilho com a
gráfica) não é sempre a que fica e o tempo mostrou que a cara carrancuda era
apenas uma fachada. A sua autenticidade e franqueza rude, às vezes pegava as
pessoas de surpresa com algumas tiradas irônicas.
– Seu
Frazão, vou ao serviço médico...
Ele, ao notar que o cara estava de ressaca, sapecava logo uma piadinha. Eu preferia abrir logo o jogo:
Ele, ao notar que o cara estava de ressaca, sapecava logo uma piadinha. Eu preferia abrir logo o jogo:
– Chefe,
faltei porque bebi muito no fim de semana e, o senhor sabe, um desenhista ainda
tonto só atrasa o serviço.
Por isso ele sempre gostou de mim.
Por isso ele sempre gostou de mim.
O gabinete do Frazão ficava localizado numa
posição estratégica à esquerda de quem entra na IU, com as laterais de vidro, o
que lhe dava uma visão periférica do ambiente, principalmente do salão, onde a
movimentação era intensa na década de 1980.
O movimento editorial era grande, com toda a azáfama de uma importante gráfica: o equipamento inteiro em atividade o dia todo e quase sempre entrando pela noite. Nessa época ganhávamos horas extras, que eram pagas pela Fundação Cearense de Pesquisa e Cultura; o bom é que se faziam muitos trabalhos alheios (o famoso “macaco”)¹ e alguns ganhavam, às vezes em um mês, mais do que o salário. O governo José Sarney (1985/1990) acabou com essa brincadeira.
O movimento editorial era grande, com toda a azáfama de uma importante gráfica: o equipamento inteiro em atividade o dia todo e quase sempre entrando pela noite. Nessa época ganhávamos horas extras, que eram pagas pela Fundação Cearense de Pesquisa e Cultura; o bom é que se faziam muitos trabalhos alheios (o famoso “macaco”)¹ e alguns ganhavam, às vezes em um mês, mais do que o salário. O governo José Sarney (1985/1990) acabou com essa brincadeira.
Assim, ele ficava postado lá como se estivesse
na gávea de um navio, de onde podia observar de bombordo a estibordo, tanto o
desenrolar dos trabalhos como a entrada e saídas de funcionários. Alguns davam
uma escapulida na hora da merenda para resolver algum serviço extra, e foi numa
saidinha dessas que o irmão, jovem tipógrafo assaz esperto saiu cerca de 9
horas da manhã e comunicou:
– Seu
Frazão, vou merendar e já volto. Lá pelas 11 horas, eis que o irmão vai
entrando sorrateiramente e o Frazão, sentinela atenta, perguntou:
– Menino,
tu foi merendar curimatã?!
No dia em que saiu a nomeação do Prof. Roberto
Cláudio Frota Bezerra (pai do atual prefeito de Fortaleza) para o reitorado da UFC no período 1995/2003, eu estava no
departamento de arte tranquilamente concluindo um trabalho quando ele entra de
repente e lasca:
– Assis,
parabéns!
– Ué!,
parabéns!? Meu aniversário é lá pro fim do ano...
– É que
o reitor escolhido também é baixinho.
Claro que era mais uma gozação sobre a minha
baixa estatura, coisa que fazia costumeiramente.
Minha presença foi solicitada no seu gabinete
para mostrar a arte da capa que fiz para um livro de uma professora bastante
antipática e orgulhosa. O livro já estava impresso e em fase de acabamento.
O Frazão foi bem explícito:
– Professora,
veja como tudo já está quase pronto. Taqui a capa que o Assis fez e se a
senhora quiser dar uma olhada no livro já costurado, pode ir ao setor de
acabamento, o chefe lhe mostra. O nome dele é Adão.
Dito isso, ela foi para o referido setor e no
meio do caminho parou e perguntou de lá:
– Como é
mesmo o nome do chefe?
A resposta veio rápida e incisiva:
– É
ADÃO, mas pode ir que ele não está nu!
Escritor residente no Crato (creio que já
faleceu) vinha várias vezes acompanhar o desenvolvimento da impressão de um livro
seu, sempre acompanhado de um jovem
radialista. Na última vez em que estiveram lá, aconteceu o seguinte diálogo na
minha presença:
– Frazão,
agora que já está tudo nos conformes, a capa feita e o acabamento adiantado,
acho que não há necessidade da minha presença. De hoje em diante esse rapaz
aqui será o meu procurador. Ele tem poderes para resolver qualquer coisa.
Como se notava de leve que eles tinham tomado alguns uísques, o Frazão arrematou:
Como se notava de leve que eles tinham tomado alguns uísques, o Frazão arrematou:
– É, assim que vocês entraram eu notei logo
que ele era seu procurador, só pelo bafo!
Lá pelos anos 80 veio fazer alguns trabalhos
na Imprensa o artista Bill Figueiredo. Não sei se era baiano ou paulista, mas
recordo que ele tinha um portfólio
bem diversificado com incursões pela pintura, fotografia e, principalmente, na
dança. Era um tipo bem simpático e de boa comunicação.
O Frazão nunca se entusiasmou muito com o
mundo das artes e isso talvez tenha motivado a resposta que deu a um comentário
do artista quando lhe mostrava uma série de gravuras e esbanjava conhecimentos:
– Veja
aqui, seu Frazão, esse é Luis XIV, rei da França e de Navarra entre os anos
1643 e 1715. Foi o maior dos reis absolutistas da França num dos reinados mais
longos da história, construiu o Palácio de Versalhes e era grande apreciador de
festas e etiquetas. A resposta, em cima da bucha:
– Égua
macho, naquele tempo já tinha baitola?!
Na minha vida profissional nas diversas
agências de propaganda, nos jornais e na televisão em que trabalhei, convivi
com chefes de atitudes díspares, mas com algo em comum: todos admoestavam os
funcionários com diplomacia, maneiramente, com bastante “vaselina”.
Em quase duas décadas de convívio, aprendi a
admirar o Frazão, não só pela sua experiência como gráfico, mas como pessoa
humana e integridade.
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