LIMITES DO
GARANTISMO PENAL
Rui Martinho Rodrigues*
Os cidadãos precisam de garantias. É melhor
não punir alguns transgressores do que punir inocentes no arrastão da lei. A
severidade de Dracon (650 – 600 a.C) foi aceita pelos atenienses em razão da
insegurança aguda do momento. Passada a situação crítica, logo a dureza foi
revogada.
Draconiano virou adjetivo. Qualifica exagero no campo penal. A defesa contra excessos é o garantismo. Não se trata apenas de proteger o transgressor. O cidadão também precisa de proteção contra a avidez punitivista. Quem não deve é quem mais teme. Inocentes não têm álibi adrede preparado e têm mais dificuldade para se defender. A ação penal, ainda que resulte em absolvição causa graves prejuízos ao réu. Processos se arrastam indefinidamente e são transtornos.
As garantias do devido processo legal, entre
as quais destacamos o acesso aos autos do processo, contraditório, defesa
técnica, prazos para a defesa, duplo grau de jurisdição e presunção relativa de
inocência, individualização da pena, a reserva legal, direito de não produzir
prova que o incrimine, vedação ao bis in
idem, prévia definição do crime (tipo penal) e da cominação de pena
protegem o transgressor e o cidadão.
A sociedade está temerosa e indignada com
tanto crime. Anseia por medidas draconianas, mas tem hipersensibilidade garantista.
Violência policial, erros judiciais, situação calamitosa dos presídios,
proliferação de tipos penais, medidas encarceradoras e mortes de transgressores
e de terceiros inocentes durante operações policiais são realmente preocupantes.
O garantismo não é dispensável. Autoridades perderam a confiança da população,
agravando os temores garantistas. Longas penas e severidade das punições não
inibem o crime. A dissuasão da ação delituosa vem da certeza da aplicação da
lei penal, ainda que relativamente branda. São bem fundadas as razões
garantistas.
Nenhum direito, porém, é absoluto. A presunção
de inocência é relativa. A dúvida idônea para afastar a condenação é a
razoável. Não é aquela incerteza teórica, hipotética. Provas lógico-formais não
devem ser consideradas meras “ilações”. A execução penal não pode ser protelada
indefinidamente. Confronto não tem eficácia contra o crime sem um amplo
conjunto de medidas. Mas as outras medidas não produzirão efeito sem o confronto
com o crime.
Forças policiais violentas e corruptas devem
ser contidas. Por outro lado, sem o apoio da sociedade forças policiais se
acomodam e são tentadas pela corrupção. Não devemos ceder à tentação
draconiana, mas precisamos de instrumentos efetivos de combate ao crime. Dentro
dos quadros institucionais temos meios destinados a aplicação transitória,
enquanto a casa está em chamas.
Façamos uso do Estado de Defesa e do Estado de
Sítio. Não podemos contemplar inertes sessenta mil assassinatos em um ano. Não
devemos abandonar o garantismo. As vicissitudes da nossa guerra, todavia,
exigem medidas próprias de uma conflagração.
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