segunda-feira, 1 de outubro de 2018

CRÔNICA – Confissão de um Poeta Malogrado (VM)


Confissão de um
Poeta Malogrado
Vianney Mesquita*


Sendo mentirosos profissionais, os poetas devem ter excelente memória. (JONATAN SWIFT).



 Notações Preliminares

Assento esta ligeira comunicação na ideia de autentificar, particularmente em relação à grade métrica do soneto, a sentença aposta na epígrafe deste comentário, da autoria do poeta, escritor satírico e religioso irlandês Jonathan Swift (Dublin, 30.11.1667 – 19.10.1745), célebre autor de um dos mais lidos (porque sobejamente apreciado) trabalhos de procedência exterior no Brasil – As Viagens de Gulliver – bem assim de Histórias de um Tonel, entre tantas, na maioria sob pseudônimo.

Para asserir a relevância de Swift no âmbito das Letras estrangeiras, é bastante lembrar a influência suscitada pelo artista natural do Eire em beletristas de todo o Mundo, da grandeza de Herbert George Wells (H. G. Wells), Charlotte Brontë (criptônimo de Currer Bell) e, especialmente, no Brasil, em Machado de Assis, cujos principais influxos advieram da literatura inglesa, na mesma dimensão dos recepcionados pelo “Moleque Carioca” (apodo respeitoso da escritora e biógrafa mineira Lúcia Miguel Pereira), da parte de Laurence Sterne (24.11.1713 – 18.03.1768).

Convém lembrar os circunstantes – mesmo de passagem, pois o assunto não calça o objetivo destas notas – do fato de que Joaquim Maria Machado de Assis era averso à licenciosidade das letras do século XVIII e afiliado à literatura da Era Vitoriana, pois não acedia ao emprego das litotes – há poucos dias referidas, em alocução venturosa, em Sessão da Academia Cearense da Língua Portuguesa, pelo imortal daquele Sodalício, Professor Raimundo Evaristo – insertas no vocabulário e no desenrolar narrativo de então. Por este pretexto, pois, acolheu as influências de Swift e de outros paredros da literatura internacional, nomeadamente dos de sinete grão-britano.

Retrato Ligeiro da Grade do Soneto

A trilha histórica desta conjunção de medidas poéticas não é tão curta, conforme se pode cogitar de imediato, e cuja completude não é cabível proceder aqui, impendendo exprimir, oportuna e labilmente, que a modalidade métrica sob comentário procede da Provença antiga, cuja poesia foi acompanhada e muitas vezes imitada em toda a Europa.

O soneto, em provençal sonet, sobrou cultivado por nomes de peso das letras pré-humanistas, no decurso do Renascimento e após este resplendente ciclo da evolução da Humanidade, também, sob o aspecto lítero-linguístico. Experienciou vastos intervalos de transformação, assentado – principalmente na vigência atual – em um formato fixo, conciso e agradável, promovido por um pugilo de versejadores da Sicília, tendo por principal Jacopo da Lentini (Lentini, hoje a cidade de Leôncio).

Resulta útil informar, ainda, que este grupo, a que Dante chamou de Scuola Siciliana (N’a Eloquência Vulgar), reunia-se em volta de Frederico II, um mecenas que tinha por secretário o rimatore Pietro dele Vigne (suicida no Inferno da Divina Comédia), e era constituído, dentre muitos, por Cielo d’Alcomo, o mencionado Jacopo (Jacó, Tiago, Jacques), Ruggiero Apugliese e Giacomino Pugliese – todos cultores do soneto.

Francesco Petrarca recorreu a sua fórmula para cantar, nas Rimas, seus amores a Laura de Noves, a bela mulher de Hugo de Sade, por quem se enamorou à prima visão. Da Itália, Francisco Sá de Miranda (irmão do terceiro Governador-Geral do Brasil, Mem de Sá) conduziu o gradeado para Portugal na primeira metade do século XVI.

O soneto possui, hoje, quatro esquemas básicos de acentuação – em rima emparelhada, cruzada ou alternada, interpolada e encadeada – como ensina Sânzio de Azevedo (Para uma Teoria do Verso. Fortaleza: Edições UFC, 1997, p. 67), que reconhece, entretanto, outros delineamentos, cada qual com variantes.

Facilidade de Composição

Esse conjunto de duas quadras e dois trísticos, composto em seu padrão definitivo, é conformação rítmica relativamente fácil de produzir. Suficiente para tal é o sonetista conhecer bem o vocabulário, respeitar as regras da língua portuguesa, mesmo empregando munificência poética (licença), acolher os ditames da versificação e preencher os lugares nos tabiques das sílabas.

De tal maneira, não resulta necessário grande saber para compor um bom soneto, pois dispensável me parece ser a erudição – eis que componho regulares peças neste estalão poético e não me arvoro de erudito, o que seria meridianamente descabido – conquanto esses atributos confiram a quem os opera, evidentemente, maiores possibilidades de consoar mais substanciosas e cadenciadas estâncias, onde o leitor-ouvinte depara as delícias de sonoridade e estese integral nos pés harmonizados.

A efetivação, não apenas dessa conjunção de catorze versos, como também de qualquer medida rimada, a mim se afigura mais dependente de lineamentos da técnica do que propriamente de centelha inspirativa, de estro poético, dos quais o bom sonetista imprescinde a fim de oferecer um bom poema expresso nesse gradil tão apreciado, até mesmo nos derradeiros tempos, quando é experimentada uma quadra de enorme prestígio das comunicações, maiormente ante as fulgurações da rede mundial de computadores.

Louvo, com a máxima franqueza, aqueles que escrevem poemas em verso branco, no que jamais me matriculei – como, na Academia Cearense da Língua Portuguesa, Regine Limaverde, Ana Paula Medeiros, Claúder Arcanjo, Révia Herculano, Vicente Alencar, Giselda Medeiros, Batista de Lima, Valdemir Mourão e a maior parte dos nossos acadêmicos, incluindo os componentes da ACLJ e da Arcádia Nova Palmaciana – jornalistas, professores, linguistas e literatos.

Isto já tentei algumas vezes e há muito tempo, no entanto, abandonei tal desígnio, pois achava a produção desenxabida, insossa, amara, sensabor, absolutamente fora de propósito. Quando, então, tentei bosquejar um romance, já no módulo dois da distribuição capitular, me achei reproduzindo estilisticamente autores lidos e recuei imediatamente da pretensão.

Jamais me atrevi, portanto, a editar qualquer composição da minha agricultura, em textos poéticos, que não fossem pés rimados, como decassílabos portugueses, nos moldes dos que aí vão, bem medidos, mas contendo inverdades, de sorte a aceitar a balda particularmente a mim imposta pelo extraordinário reitor da Sé de São Patrício. Parece assentar-me, de verdade, esta carapuça!

Então, a invencionice está claríssima nas duas peças adiante reproduzidas, inclusive até bem distantes em sentimento, avessa uma a outra, contrapostas, paradoxais, posso dizer – “mentirosas”, na exata acepção de Swift.

Vejamos, pois, no primeiro conjunto ora retratado, denotativo de exagerado pessimismo – posso assegurar, refalsado – composto nos anos de 1960, pouco modificado a posteriori, com o fito de pastichar Augusto dos Anjos, cuja obra ainda hoje aprecio, consoante sucede com muitos leitores amantes do metro. Tal sucedeu no tempo de estudante da então Escola Industrial Federal do Ceará, atual Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia, quando aluno do extraordinário mestre, fundador da Academia Cearense da Língua Portuguesa, Hélio de Sousa Melo, logo após ler o Eu e outras Poesias, bem assim o Tratado de Versificação, clássico de Olavo Brás Martins dos Guimarães Bilac e Sebastião Cícero dos Guimarães Passos, o qual nem lograva decodificar direito à míngua de informação absolutamente necessárias para uma decodificação correta.

          Eis a reprodução.


QUEBRANTAMENTO

Tomam-me por inteiro as mialgias,
Na arteriosclerose das matérias,
E o bater pressuroso das artérias
Pareço escutar todos os dias.

Continuamente levo hipocondrias,
Sobram-me enfermidades deletérias,
E insuportáveis idiossincrasias
Um ser infausto pejam de misérias.

Terão um termo essas bilatérias
Moléstias, pois são meras utopias [...]
Só se Pompílio volver às Egérias,

Ou quando a Essência perder as porfias
E assentir Zeus em novas Eleutérias
Em tão fúteis e vãs alegorias.

As estrofes sequentes foram produzidas agora em agosto (2018), por falta do que fazer, pois os textos acadêmicos para revista gramatical e estilística escassearam, em razão dos embaraços econômico-financeiros, atingindo todos nós, incluindo os investigadores das universidades. O produto ficou pronto quando perfiz 72 anos – daí o “motorzão” sete-ponto-dois mencionado no pé inicial da primeira estância, recheada de vantagens de ocorrência impossível, dada a natural e inexorável descensão vital, a não ser nas artimanhas de um pseudopoeta, tachado, decerto, com merecido e veraz adjetivo, por Jonathan Swift.

Analisem e avaliem a peça, comparando-a com a anterior para assistir razão, ou denegá-la, ao eclético escritor irlandês.
         
FORTALEZA E DESTEMOR

Sou motor grande, sete-ponto-dois,
Aproximado de Primo Carnera,
Porquanto a Mãe Natura em mim apôs
O que o vigor humano reverbera.

Não ponho o carro adiante dos bois,
E, sem pavor nenhum da besta-fera,
Enfrento a Terra que se contrapôs
À minha indestrutível primavera.

Arrosto o monstro Typhon – sou o Kratos,
Príapo – fôlego de sete gatos –
Deus Poseidon mais do que furibundo.

Mandachuva de todos os estratos,
Logro, apressado, meus desideratos:
Sinto-me um Atlas transportando o Mundo!


Amigos leitores: memória tenho, como disse Jonathan Swift. Vamos, então, ver se chegarei ao segundo turno na postulação do “mandato” de poeta.


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