Confissão de um
Poeta Malogrado
Vianney Mesquita*
Sendo mentirosos profissionais, os poetas devem ter excelente
memória. (JONATAN SWIFT).
Notações Preliminares
Assento esta ligeira
comunicação na ideia de autentificar, particularmente em relação à grade
métrica do soneto, a sentença aposta na epígrafe deste comentário, da autoria
do poeta, escritor satírico e religioso irlandês Jonathan Swift (Dublin,
30.11.1667 – 19.10.1745), célebre autor de um dos mais lidos (porque sobejamente
apreciado) trabalhos de procedência exterior no Brasil – As Viagens de Gulliver – bem assim de Histórias de um Tonel, entre tantas, na maioria sob pseudônimo.
Para asserir a
relevância de Swift no âmbito das Letras estrangeiras, é bastante lembrar a
influência suscitada pelo artista natural do Eire em beletristas de todo o
Mundo, da grandeza de Herbert George Wells (H. G. Wells), Charlotte Brontë (criptônimo
de Currer Bell) e, especialmente, no Brasil, em Machado de Assis, cujos
principais influxos advieram da literatura inglesa, na mesma dimensão dos
recepcionados pelo “Moleque Carioca” (apodo respeitoso da escritora e biógrafa
mineira Lúcia Miguel Pereira), da parte de Laurence Sterne (24.11.1713 –
18.03.1768).
Convém lembrar os
circunstantes – mesmo de passagem, pois o assunto não calça o objetivo destas
notas – do fato de que Joaquim Maria Machado de Assis era averso à
licenciosidade das letras do século XVIII e afiliado à literatura da Era
Vitoriana, pois não acedia ao emprego das litotes
– há poucos dias referidas, em alocução venturosa, em Sessão da Academia
Cearense da Língua Portuguesa, pelo imortal daquele Sodalício, Professor
Raimundo Evaristo – insertas no vocabulário e no desenrolar narrativo de então.
Por este pretexto, pois, acolheu as influências de Swift e de outros paredros
da literatura internacional, nomeadamente dos de sinete grão-britano.
Retrato Ligeiro da Grade do Soneto
A trilha histórica desta
conjunção de medidas poéticas não é tão curta, conforme se pode cogitar de
imediato, e cuja completude não é cabível proceder aqui, impendendo exprimir,
oportuna e labilmente, que a modalidade métrica sob comentário procede da
Provença antiga, cuja poesia foi acompanhada e muitas vezes imitada em toda a
Europa.
O soneto, em provençal sonet, sobrou cultivado por nomes de peso das letras
pré-humanistas, no decurso do Renascimento e após este resplendente ciclo da
evolução da Humanidade, também, sob o aspecto lítero-linguístico. Experienciou
vastos intervalos de transformação, assentado – principalmente na vigência
atual – em um formato fixo, conciso e agradável, promovido por um pugilo de
versejadores da Sicília, tendo por principal Jacopo da Lentini (Lentini, hoje a
cidade de Leôncio).
Resulta útil informar, ainda, que este grupo, a que Dante chamou de
Scuola Siciliana (N’a Eloquência Vulgar), reunia-se em volta de
Frederico II, um mecenas que tinha por secretário o rimatore Pietro dele Vigne (suicida no Inferno da Divina Comédia), e era constituído,
dentre muitos, por Cielo d’Alcomo, o mencionado Jacopo (Jacó, Tiago, Jacques),
Ruggiero Apugliese e Giacomino Pugliese – todos cultores do soneto.
Francesco Petrarca recorreu a sua fórmula para cantar, nas Rimas, seus amores a Laura de Noves, a
bela mulher de Hugo de Sade, por quem se enamorou à prima visão. Da Itália,
Francisco Sá de Miranda (irmão do terceiro Governador-Geral do Brasil, Mem de
Sá) conduziu o gradeado para Portugal na primeira metade do século XVI.
O soneto possui, hoje, quatro esquemas básicos de acentuação – em
rima emparelhada, cruzada ou alternada, interpolada e encadeada – como ensina
Sânzio de Azevedo (Para uma Teoria do
Verso. Fortaleza: Edições UFC, 1997, p. 67), que reconhece, entretanto,
outros delineamentos, cada qual com variantes.
Facilidade de Composição
Esse conjunto de duas quadras e dois trísticos, composto em seu
padrão definitivo, é conformação rítmica relativamente fácil de produzir. Suficiente
para tal é o sonetista conhecer bem o vocabulário, respeitar as regras da
língua portuguesa, mesmo empregando munificência poética (licença), acolher os
ditames da versificação e preencher os lugares nos tabiques das sílabas.
De tal maneira, não resulta necessário grande saber para compor um
bom soneto, pois dispensável me parece ser a erudição – eis que componho
regulares peças neste estalão poético e não me arvoro de erudito, o que seria meridianamente
descabido – conquanto esses atributos confiram a quem os opera, evidentemente,
maiores possibilidades de consoar mais substanciosas e cadenciadas estâncias,
onde o leitor-ouvinte depara as delícias de sonoridade e estese integral nos
pés harmonizados.
A efetivação, não apenas dessa conjunção de catorze versos, como
também de qualquer medida rimada, a mim se afigura mais dependente de
lineamentos da técnica do que propriamente de centelha inspirativa, de estro
poético, dos quais o bom sonetista imprescinde a fim de oferecer um bom poema
expresso nesse gradil tão apreciado, até mesmo nos derradeiros tempos, quando é
experimentada uma quadra de enorme prestígio das comunicações, maiormente ante
as fulgurações da rede mundial de computadores.
Louvo, com a máxima franqueza, aqueles que escrevem poemas em verso
branco, no que jamais me matriculei – como, na Academia Cearense da Língua Portuguesa,
Regine Limaverde, Ana Paula Medeiros, Claúder Arcanjo, Révia Herculano, Vicente
Alencar, Giselda Medeiros, Batista de Lima, Valdemir Mourão e a maior parte dos
nossos acadêmicos, incluindo os componentes da ACLJ e da Arcádia Nova
Palmaciana – jornalistas, professores, linguistas e literatos.
Isto já tentei algumas vezes e há muito tempo, no entanto,
abandonei tal desígnio, pois achava a produção desenxabida, insossa, amara,
sensabor, absolutamente fora de propósito. Quando, então, tentei bosquejar um
romance, já no módulo dois da distribuição capitular, me achei reproduzindo
estilisticamente autores lidos e recuei imediatamente da pretensão.
Jamais me atrevi, portanto, a editar qualquer composição da minha
agricultura, em textos poéticos, que não fossem pés rimados, como decassílabos
portugueses, nos moldes dos que aí vão, bem medidos, mas contendo inverdades,
de sorte a aceitar a balda particularmente a mim imposta pelo extraordinário reitor
da Sé de São Patrício. Parece assentar-me, de verdade, esta carapuça!
Então, a invencionice está claríssima nas duas peças adiante
reproduzidas, inclusive até bem distantes em sentimento, avessa uma a outra,
contrapostas, paradoxais, posso dizer – “mentirosas”, na exata acepção de Swift.
Vejamos, pois, no primeiro conjunto ora retratado, denotativo de
exagerado pessimismo – posso assegurar, refalsado – composto nos anos de 1960,
pouco modificado a posteriori, com o fito
de pastichar Augusto dos Anjos, cuja obra ainda hoje aprecio, consoante sucede
com muitos leitores amantes do metro. Tal sucedeu no tempo de estudante da
então Escola Industrial Federal do Ceará, atual Instituto Federal de Educação,
Ciência e Tecnologia, quando aluno do extraordinário mestre, fundador da
Academia Cearense da Língua Portuguesa, Hélio de Sousa Melo, logo após ler o Eu e outras Poesias, bem assim o Tratado de Versificação, clássico de
Olavo Brás Martins dos Guimarães Bilac e Sebastião Cícero dos Guimarães Passos,
o qual nem lograva decodificar direito à míngua de informação absolutamente
necessárias para uma decodificação correta.
Eis a reprodução.
QUEBRANTAMENTO
Tomam-me por inteiro
as mialgias,
Na arteriosclerose
das matérias,
E o bater pressuroso
das artérias
Pareço escutar todos
os dias.
Continuamente levo
hipocondrias,
Sobram-me
enfermidades deletérias,
E insuportáveis
idiossincrasias
Um ser infausto
pejam de misérias.
Terão um termo essas
bilatérias
Moléstias, pois são
meras utopias [...]
Só se Pompílio
volver às Egérias,
Ou quando a Essência
perder as porfias
E assentir Zeus em
novas Eleutérias
Em tão fúteis e vãs
alegorias.
As estrofes sequentes foram produzidas agora em agosto (2018), por
falta do que fazer, pois os textos acadêmicos para revista gramatical e
estilística escassearam, em razão dos embaraços econômico-financeiros,
atingindo todos nós, incluindo os investigadores das universidades. O produto
ficou pronto quando perfiz 72 anos – daí o “motorzão” sete-ponto-dois
mencionado no pé inicial da primeira estância, recheada de vantagens de
ocorrência impossível, dada a natural e inexorável descensão vital, a não ser
nas artimanhas de um pseudopoeta, tachado, decerto, com merecido e veraz
adjetivo, por Jonathan Swift.
Analisem e avaliem a peça, comparando-a com a anterior para
assistir razão, ou denegá-la, ao eclético escritor irlandês.
FORTALEZA E DESTEMOR
Sou motor grande,
sete-ponto-dois,
Aproximado de Primo
Carnera,
Porquanto a Mãe
Natura em mim apôs
O que o vigor humano
reverbera.
Não ponho o carro
adiante dos bois,
E, sem pavor nenhum
da besta-fera,
Enfrento a Terra que
se contrapôs
À minha
indestrutível primavera.
Arrosto o monstro Typhon – sou o Kratos,
Príapo – fôlego de
sete gatos –
Deus Poseidon mais
do que furibundo.
Mandachuva de todos
os estratos,
Logro, apressado,
meus desideratos:
Sinto-me um Atlas
transportando o Mundo!
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