PEQUENO TRATADO
SOBRE A ÉTICA
Reginaldo Vasconcelos*
O noticiário brasileiro e mundial tem sido dramático nestes dias.
Terremotos, tsunamis, erupções e furacões sacodem as regiões menos felizes, no
que tange a situações sismológicas e meteorológicas do Planeta.
Mas também quanto à ação humana sobre a Terra as notícias são dantescas
– o jornalista assassinado na embaixada de seu país, em outro país, e a filha
que mata a mãe pela herança, com a ajuda do marido.
A família morta em acidente de trânsito na estrada, com um infeliz
sobrevivente ileso de três anos de idade, que passou três dias velando os
destroços e os cadáveres na mata, antes de ser localizado.
Na política interna, a “cavalaria” federal a tanger uma “boiada” de
políticos profissionais corruptos para os “currais” presidiais, exatamente
quando o País tenta fazer uma faxina moral através do voto.
Deus, em sua concepção absoluta, está acima do bem e do mal, de
qualquer ética e qualquer lógica. Sua vontade é soberana e aleatória, em
relação a todos os destinos fragmentários do universo. Mas as duas outras vertentes divinas, a racional e a intuitiva,
essas já se vinculam aos compromissos éticos firmados entre a pessoa e a sociedade,
entre a sociedade e a Natureza.
A ética é matéria de estudos e palestras, é cátedra universitária
em que especialistas diplomados discorrem sobre o tema, e sobre o mesmo tema editam
livros e tratados. Mas ninguém define com exatidão o que objetivamente seja “ética”,
que permanece um conceito um tanto vago e impreciso.
Mas é fácil entender a ética como o conjunto deontológico de pactos que os seres
racionais são obrigados a firmar – consigo mesmos, com os circunstantes, com
estamentos sociais – sejam explícitos, sejam tácitos, para viabilizar a
existência gregária pelo estabelecimento dos “costumes”.
À medida que a sua consciência amadurece, a nova pessoa vai percebendo o
que deve fazer e não fazer, segundo as necessidades existenciais e os
regramentos da vida em sociedade, e a partir daí vai elegendo as suas condutas
e vai formatando o seu caráter.
O mandamento católico “não matarás”, correspondente à norma penal
que tipifica “matar alguém” como o crime principal – não infringi-los é o
primeiro compromisso que a ética jurídica e a ética mística nos impõem, seguido
pelo respeito ao patrimônio alheio – que desde a infância, tacitamente, se
assume.
Para além das cautelas que a sensatez nos aconselha, em última
instância ninguém está livre das tragédias. São “atos de Deus”, como a Marinha
da Inglaterra as qualifica. Mas dos delitos jurídicos e morais é possível se
abster, para manter a lisura e evitar a desgraça dos repreendidos e apenados.
Estranhamente, talvez por falha no DNA do seu caráter, ou má
formação familiar, quem sabe em resposta a experiências mais agudas vividas,
alguns indivíduos não suportam as pressões da competição social e do consumismo
e se munem de disposição e coragem para a delinquência contumaz – mentir,
roubar e até matar, se necessário, para a satisfação de sua concupiscência
desmedida.
Há outros que não enveredam por essa senda amoral e desonesta,
apenas por falta de oportunidade ou de coragem. Não se impõem freios éticos para
manter conduta lícita, mas a falta de propostas e ensejos desonestos de
aparência segura – e o medo da punição penal – vão lhes poupando dos deslizes.
Mas há aqueles que decidem intimamente desde cedo fazer parte do
bem, daquilo que denomino “Mundo São”. Determinam-se a obedecer todos os
compromissos éticos – e por isso não desejam, não planejam e não aceitam cometer
quaisquer delitos, sejam patrimoniais, sejam de sangue – ressalvada aqui a ira santa, a reação justa, a legítima defesa, a autotutela, que a submissão pusilânime e a covardia não são cláusulas do compromisso cidadão.
Esses virtuosos adquirem a habilidade de vencer as tentações do mundo, de dizer “não” ao canto mavioso da sereia, imunes à sensação enganadora de estarem sendo tíbios sobre os próprios interesses, de que os pruridos morais sejam a fraqueza dos otários, que atuam em detrimento do bem-estar dos seus e de seu próprio sucesso social e econômico.
Resta uma palavra de solidariedade por aqueles que por toda a vida
tomaram essa rota da legalidade e da virtude, e que de repente se vêem moralmente
alvejados, feridos ou ameaçados pela seta da execração e da Justiça, pela casual
contaminação sofrida da conduta de insuspeitados delinquentes entre os seus
próximos, seus parentes, seus afetos – ou até por um deslize completamente inadvertido, o que infelizmente acontece vez por outra.
Nenhum comentário:
Postar um comentário