O BAGUAL E O
GAUDÉRIO
Humberto Ellery*
Antes de tudo, deixem-me “traduzir” essas duas palavras do dialeto
gauchês. “Bagual” é um cavalo indomado, xucro, arisco; e “gaudério” é o que nós
chamamos caipira, aquele rapaz do campo, meio ingênuo.
Consta que certa vez, num Quartel de Cavalaria da Brigada Militar,
no Rio Grande do Sul, o sargento dirigiu-se a um grupo de recrutas que estavam
em seu primeiro dia de brigadistas e perguntou energicamente: “Quem de vocês
nunca montou em um cavalo?” Suprema desonra para um gaúcho macho, um gaudério
meio apalermado respondeu: “Eu, sargento. Eu nunca montei na minha vida”.
O sargento olhou para o gaudério e, com um ar entre a raiva e o
desdém, chamou o rapaz : “Me acompanhe”. Dirigiram-se então para a estrebaria
do quartel onde logo avistaram um baita de um bagual bufando, soprando fogo
pelas ventas, empinando e dando saltos no ar para escoicear o minuano (vento
frio que sopra no Sul).
O sargento, olhando com ar sarcástico para o gaudério, tornou a
perguntar: “Quer dizer então que tu nunca montaste em tua vida? Pois este
cavalo também nunca foi montado”. E sentenciou: “Vocês vão aprender juntos”.
Mutatis mutandis, os eleitores do Bolsonaro
estão dando por montaria, a quem nunca demonstrou a menor competência de
governo, (nunca governou nem uma prefeiturazinha), um país enorme, complexo,
tentando sair de uma crise, e, como disse o Tom Jobim: “não é para
principiantes”.
COMENTÁRIO
Pois eu completo a história
que Humberto Ellery se poupou de terminar: o gaudério subiu no bagual e o domou
completamente. Ninguém nasce experiente, e a sorte do principiante é fato recorrente
e inconteste.
Uma de minhas filhas teve e dirigiu uma autoescola, e uma das observações que fiz nesse período foi de que
rarissimamente um condutor de veículo recém-formado se envolve em acidente.
Sim. Todas as grandes
colisões de trânsito ocorrem com aqueles que já adquiriram longa prática, e
junto com ela o excesso de confiança, bem como os vícios perigosos.
O novo guiador é cuidadoso
e atento, não confia nos outros, mantém a distância, busca os melhores
critérios, até que aos poucos vai relaxando e se tornando um motorista relapso e sem-vergonha. Assim também com os políticos.
Quando eu era escoteiro,
fui incumbido certa vez de passar orientações urgentes a um noviço que acabava
de ingressar no escotismo – e na patrulha da qual eu era monitor – e no fim de
semana próximo nós iríamos acampar.
Acampamos, e durante a noite
houve um grande incêndio na mata, de modo que era preciso salvar as barracas e
os pertences, fazer aceiros, abafar as chamas com palhas verdes de palmeiras,
transportar água em baldes por sobre as brasas e a fumaça.
Pois aquele novato se mostrou
um intimorato, que, embora ainda sendo “escoteiro mirim”, e absolutamente inexperiente,
se incorporou ao grupo de seniores – composto pelos mais velhos e mais
experientes.
Combateu as chamas com eles,
sem pregar os olhos durante toda a madrugada – e pela manhã estava acolitando o
Chefe do Grupo, na construção do altar rústico no qual o capelão viria celebrar
uma missa, com a presença das famílias.
Moral da história: "A experiência não prepondera em face da endurância e do caráter".
Reginaldo Vasconcelos
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