FAÇA-SE A ÁGUA
Cássio Borges*
Um amigo, com o qual
nos correspondemos sobre a questão da água no Brasil e em especial na região
nordestina, pede a minha opinião sobre a Companhia
de Gestão dos Recursos Hídricos (Cogerh), ressaltando que ele tem residência e atividades
profissionais em Brasília, tendo, como ele disse, apoiado e participado da
instalação daquela Companhia no estado do Ceará.
Para responder esta
pergunta, eu diria, inicialmente, que sou totalmente contrário à privatização
da água, seja por empresas privadas ou públicas, como é o caso da Cogerh. A
água não deva ser considerada uma “mercadoria” prara transforma-la em dinheiro,
ou em fonte de “receita” para os estados cobrirem os seus déficits
orçamentários. Este conceito é também dissuadido no livro FAÇA-SE A ÁGUA – A
Solução de Israel para um Mundo com Sede de Água, de SETH M. SIEGEL, publicado
nos Estados Unidos, no ano passado, que
diz:
“Para evitar que funcionários eleitos favoreçam grupos, ou amigos,
com interesses particulares, Israel decidiu deixar a política e os políticos
fora das decisões em questões envolvendo a água”.
Segundo a nossa
Constituição, a água “decorrente” de obras da União a ela pertence. Nesta
hipótese, o Rio Jaguaribe é um rio federal, tendo em vista a construção naquele
vale, pelo Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (Dnocs), dos açudes
Orós, Banabuiú, Castanhão, entre dezenas de outros.
Ao fazermos esta
declaração nos apoiamos no art. 26, inciso I, da nossa Carta Magna, que diz: “Incluem-se
entre os bens dos Estados as águas superficiais ou subterrâneas, fluentes,
emergentes e em depósito, ressalvadas, neste caso, na forma da lei, as
decorrentes de obras da União”. O Rio Jaguaribe atualmente é perenizado em
cerca de 1.500 quilômetros do seu leito, e se não existissem tais obras ele
seria um rio do domínio do estado do Ceará, porém, até hoje, seria um rio seco,
ou, melhor dizendo, intermitente.
A verdade é que
existe um pensamento, com amparo principalmente no estado do Ceará, de
estadualizar as ações do governo federal, sendo a água uma delas. Com isso, sem
uma análise mais profunda de suas consequências, os Estados pensam em
apropriar-se do imenso acervo de 327 barragens construídas pelo Dnocs em todo o
Nordeste, cujas águas represadas seriam vendidas, a exemplo do que faz a Cogerh,
se constituindo em mais uma receita para os cofres daquelas unidades
federativas de nossa Região. Exportar alimentos, de certa maneira, significa
exportação de água, mesmo que seus consumidores estrangeiros acreditem estarem
comprando somente frutas e verduras.
Segundo nos consta,
a Cogerh arrecada do produto da venda da água algo em torno de R$ 100 milhões,
anualmente, pois, por um erro de avaliação hidrológica, pensavam os seus
dirigentes que, com a o advento do Açude Castanhão, a água era um recurso
inesgotável nesta unidade da Federação. Diziam que a vazão regularizada do
referido açude era de 30 m³/s (uma quimera), quando hoje se sabe ser de apenas
10 m³/s, inferior a do Açude Orós, que tem uma acumulação 3,5 menor do que
aquele. Um erro, acreditem, que perdurou por quase três décadas.
Neste Estado estão
acumulados cerca de 18.000.000.000 (dezoito bilhões) de metros cúbicos de água,
nos 62 açudes do Governo Federal. Qual seria a quantia que poderia ser
arrecadada pelo estado do Rio Grande do Norte, por exemplo, que dispõe de pouco
mais de 3 bilhões de m³ de água em seus açudes? E o que dizer do Estado de
Pernambuco com pouco mais de 1.000.000.000 (hum bilhão) de m³ em seus
reservatórios construídos pelo Dnocs?
O que tem sido feito
com o dinheiro arrecadado pela Cogerh, além de manter uma folha de pagamento
para os seus 500 (ou 700?) servidores? Enquanto isto, o Dnocs, em toda a região
nordestina, tem cerca de 1.200 funcionários para atender as suas atribuições
nas áreas de irrigação, piscicultura, perfuração de poços, operação e manutenção
dos seus mais de 300 açudes, de médio a grande porte, etc.
Finalmente, se o Estado
do Ceará, para fazer a gestão dos seus recursos hídricos necessita de um
contingente expressivo de servidores, se cada Estado, proporcionalmente ao
volume de água armazenado em seus açudes, adotassem o mesmo critério e
procedimentos, teriam uma despesa exorbitante neste item, que o Dnocs poderia
assumir com seu corpo funcional (já têm outras atividades funcionais) sediada
em suas bases físicas, com capilaridade em toda a região nordestina. Pensar
diferente é desconhecer aquela importante instituição com uma folha
extraordinária de serviços prestados à nossa Região.
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