domingo, 21 de outubro de 2018

CRÔNICA - Gato Escaldado (RV)

GATO ESCALDADO
Reginaldo Vasconcelos*


A campanha política envereda agora pela exumação dos anos de chumbo, repristinando os fatos dantescos da repressão política e do tenebroso método da tortura, levado a cabo pelas Forças Armadas contra os revolucionários, já há mais de meio século.

E a Rede Globo, fazendo a charanga dessa passeata, vai à frente, tocando as cornetas e batendo o bumbo  inclusive contratando pesquisa imbecil, de resultado óbvio, sobre se o povo prefere democracia ou ditadura consultando ainda sobre o risco de quebra da democracia (aliás, utilizando erroneamente o termo chance,  que indica um lance de sorte, ao invés de risco, que significa uma possibilidade infeliz). 

Imagino que a causa dessa preocupação exacerbada seja o fato de que Bolsonaro é militar da reserva, ter louvado a tortura na sua infância política, e, mais recentemente, exaltado um coronel falecido tido como torturador  um ato impensado e desnecessário. Mas não é menos desarrazoado levantar essa lebre neste momento grave, pois transcorre um processo eleitoral regular, dentro dos cânones republicanos e em normalidade absoluta.

Não há ameaça real de que se instale uma nova ditadura no momento, e esse receio paranoico lembra o brocardo sobre o gato escaldado que cisma, crispa e pula ao se defrontar com água fria. 

Um levante militar ocorre em face de uma grande insatisfação popular, de ameaça ou iminência de anarquia institucional, de provocação aos brios militares – como aconteceu em 64 – e não pelo mero fato da eventual eleição de um egresso da caserna. 

Esse risco de conflito se desenha na verdade a partir das declarações de militantes da esquerda, quando falam em exército campesino, em revolta armada, em derramamento de sangue, em uma boa espingarda e uma boa cova, que sua luta só terminará com Lula de volta no Planalto. 

Em correspondência com o jornalista paulista Roberto Pompeu de Toledo, que mantinha um artigo regular na última página da Revista Veja, disse-lhe eu certa vez do risco de uma revolta militar contra o Governo Dilma Rousseff, cuja permanência ele defendia, manifestando-se contra o processo de impeachment.

E esse risco retornará, segundo penso, apenas no caso de a regularidade deste processo eleitoral restar frustrada. E, nessa hipótese, considero mesmo que o perigo seja enorme. 

A revolução de 64 foi deflagrada porque havia corrupção generalizada no Governo e um movimento simpático à esquerda socialista, que na época florescia em outros países. Novamente, é apenas aí que mora o perigo.

Sendo assim, quem quer manter a normalidade, eliminando o risco de um novo surto autoritário, deveria esquecer o passado, sobre o qual celebrou-se ampla anistia, e defender que o processo eleitoral termine sem grandes sustos e sem novos sobressaltos.

Jair Bolsonaro foi militar, e naturalmente se posiciona, de forma meramente retórica, a favor da sua grei, naquele período de conflito, de que não participou pessoalmente, e em que, de lado a lado, houve atrocidades e mortes. Isso não significa, necessariamente, que pretenderia ele reeditar aquela quadra deplorável, quando está submetendo seu nome a democráticas eleições.




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