segunda-feira, 16 de março de 2015

RESENHA (VM)

NOS ANOS DE CHUMBO
Vianney Mesquita*


Para conquistar o poder é preciso amá-lo. Ora, a ambição nunca está de acordo com a bondade, mas apenas com a duplicidade e a violência. Logo, não são os melhores, são os piores que se apoderam do poder. (LEON TOLSTÓI).


Está na minha étagére novo rebento editorial do Prof. Dr. José Gerardo Vasconcelos, da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Ceará. É mais uma publicação de sucesso da multíplice produção acadêmica desse autor, conhecido e apreciado no Brasil, em razão de suas excelentemente refletidas considerações na chave sociológica por ele pinçada para escrever sua já extensa obra universitária, conquanto, ainda, apreciavelmente jovem para aportar neste patim literocientífico.
 
Reporto-me a O Contexto Autoritário no Pós-1964 – novos e velhos atores na luta pela anistia, com o selo já famoso da Editora da UECE, coincidindo com o cinquentenário da ditadura – 2014 - implantada no Brasil em 31 de março de 1964, acerca do qual pretendo retornar em comentários em oportunidade que se me oferecer.  A fim, entretanto, de preparar uma leitura mais bem decodificada, dirijo atenção, pelo segundo ensejo, a outro livro seu, do qual à época fiz glosa, intitulado Memória da Saudade – busca e espera no Brasil autoritário, constitutivo de parte dos seus estudos de doutorado, ao relatar a trajetória dos militantes de esquerda, no derradeiro e cruento combate de idealistas brasileiros contra as forças militares e civis de extrema direita do País.

Embora constitua, ainda, acontecimento de desfecho recente, esta longa refrega que os militares-civis convencionaram chamar de Revolução de 1964, com duração de cerca de 20 anos, começa a desaparecer da memória das pessoas coetâneas das ocorrências e perder importância para o público mais novo, em razão da preeminência normal de fatos históricos supervenientes.


O extenso período da ditadura militar – denominação convencional civil do movimento – é momentosamente recuperado pelo Sociólogo em vários dos seus aspectos, especialmente no que respeita ao enfrentamento (des)humano dos contendedores.


Forrado de literatura adequada e empregando apropriados conteúdos metodológicos, sine ira et studio,  o Autor analisa as diversas passagens da relação conflituosa, contando, para a obtenção dessa imparcialidade, com o concurso de depoentes que experimentaram o dissabor desta defrontação, a enodoar páginas e mais páginas da história pátria nacional, evidentemente, com o cuidado de liberar as falas daqueles naturais escotomas que conferem obliquidade às verdades acerca das quais se intenta discorrer.

Segundo convém epistemologicamente ao produto científico, todos os eventos da sua análise têm correspondência com as renomeadas fontes, abonando e fortalecendo suas ilações de estudioso vigilante, condutor de notável preparo intelectual.

Cada fato, como os rituais de passagem pelos cárceres e a morte por falta de identidade civil, por exemplo, é explicado com suporte em sistemas sociológicos consagrados, de sorte que o leitor pode estar certo de que o livro retrata a realidade, constituindo-se vera efígie das ocorrências.

A forma textual, além de ter distribuição temática muito bem configurada, se coaduna aos pressupostos do estilo didático-científico, dando ensejo a uma leitura tranquila e facilmente decodificável. Não há, no decurso textual, os calhaus das reticências e anacolutos, tampouco os insuportáveis clichês, manias e exageros da permissividade lexical, que costumam frequentar o jargão da Sociologia e de campos disciplinares afins, motivo por que, muita vez, essa Ciência é alvo de zombaria, particularmente pelos desconhecedores de seus meandros.


Resta, pois, ao leitor, repassar um texto límpido, veraz e convidativo a outros teóricos do assunto para que prossigam a revolver arquivos, ouvir pessoas, excitar patentes militares e chefes civis da época, devassar cadeias e masmorras, empregando quaisquer meios ou traquinadas lícitas, a fim de que a posteridade tenha ciência exata de tudo o que aconteceu durante a revolução ou ditadura civil-militar, cuja história, ao que parece, ainda não está bem contada.

Este livro do Prof. Dr. Gerardo Vasconcelos é um documento precioso da nossa Ciência Sociológica, aditado ao seu ordenado corpo de teorias, como repositório de fatos prontos a servirem de vertente ao investigador que tencione planear, sob angulação nova, um tema tão distante de se exaurir.


*Vianney Mesquita 
 Docente da UFC 
Acadêmico Titular da Academia Cearense da Língua Portuguesa  
Acadêmico Emérito-titular da Academia Cearense de Literatura e Jornalismo 
Escritor e Jornalista 

Nenhum comentário:

Postar um comentário