quarta-feira, 4 de março de 2015

ARTIGO (RMR)

O ATO DE LAVAR AS MÃOS
Rui Martinho Rodrigues*

Caminhoneiros interrompem o trânsito nas estradas. Por mais legítimas que seja as suas razões, eles estão se apoderando de um bem público de uso comum, prejudicando o direito de ir e vir de quem por ali passa. Poderiam simplesmente parar o transporte de carga e ocupar o acostamento, como forma de luta pelas suas reivindicações. Mas propalou-se a ideia segundo a qual prejudicar terceiros inocentes, relativamente a um litígio entre partes, é uma prerrogativa da cidadania.

Os atos administrativos têm o arrimo da presunção juris tantum de legitimidade e a prerrogativa de autoexecutoriedade. Caso alguém atravesse um carro na avenida 13 de maio, a autoridade do trânsito pode mandar rebocar sem precisar pedir autorização ao Poder Judiciário, porque, até que se prove o contrário, sua decisão é legítima e pode ser executada autonomamente. Caso assim não fosse o Judiciário seria afogado por demandas de iniciativa do Poder Executivo e o governo seria exercido pelo Judiciário, configurando a tão falada judicialização da política.

A Polícia Rodoviária Federal não precisa de ordem judicial para desobstruir vias. A Advocacia Geral da União sabe disso, mas ainda assim recorreu ao Judiciário para desobstruir estradas. A explicação para mais esta manifestação da judicialização da política, com todos os seus inconvenientes, é simples: hoje as pessoas estão fugindo às suas responsabilidades. Trata-se de uma atitude que pode denotar demagogia e configura prevaricação. Quem não quer assumir o desgaste do exercício do poder se omite e joga o problema para o judiciário.

O demagogo, ao contrário do estadista, não pensa na próxima geração, mas próxima eleição. A sabedoria, no mal sentido, é um bicho que quando cresce demais engole o dono. As próximas eleições poderão expressar a insatisfação de quem não pode transitar nas vias públicas porque o governo não exerce as suas funções, com o objetivo de evitar o desgaste eleitoral. Este é apenas um exemplo entre muitos.


*Rui Martinho Rodrigues
Professor – Advogado
Historiador - Cientista Político
Titular Emérito de sua Cadeira de nº 10

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