LEI TERESOCA
Paulo Maria de Aragão*
Assis
Chateaubriand, então desquitado, em litígio pela guarda da filha, Teresa,
registrada apenas com o nome da jovem mãe Cora Acuña, recebera intimação do
juiz substituto da 4ª Vara de Órfãos e Sucessões do Rio de Janeiro, Elmano Cruz, para devolvê-la. Durante a audiência, deu-se mal ao
afrontar o magistrado, pois o meritíssimo se recusou terminantemente a mudar o seu despacho e ordenou que ele saísse da
sala.
Endiabrado, Chatô, aos berros, reagiu: ”Eu posso não
ter o direito, seu juizinho de merda, mas tenho algo mais importante: tenho
razão! Sua carreira terminou hoje, aqui, agora. [...] Se o senhor está pensando
que vai ser desembargador, juiz do tribunal, pode tirar o cavalo da chuva. Sua
carreira acaba hoje! E saiba que seu despacho vai ser anulado, seu juiz de
merda!” –relata-nos Fernando Morais na obra
“Chatô, Rei do Brasil”. São Paulo: Companhia das Letras, 1994.
Assim,
restou-lhe sair de afogadilho a fim de não ser preso por crime de desacato. O
juiz Elmano Cruz atuava como substituto de Nelson Hungria, então de férias, o
qual na condição de amigo de Chatô obrigou-se a interrompê-las e logo ao tornar
à 4ª Vara anulou o despacho do Dr. Elmano. Este deixou o timbre da
independência e altivez ao passo que o jurista Hungria, a mácula da submissão a um poderoso.
Chatô,
jornalista, empresário, mecenas e político foi um reformador polêmico e audaz de uma época. O
demiurgo queria que a ele todos se curvassem sob pena de sofrerem reveses. O
seu entrevero com Corita não foi fácil, pois se enredava em paixão e ciúme – affaire entre um homem de 45 e
uma adolescente de 15 anos, a qual teria seduzido no desabrochar de suas “15 primaveras”,
mantendo-a sob intensa vigilância.
Contudo, jamais abriu mão da guarda da filha. Obteve
de Getúlio Vargas o D.L. nº 4.737, de
24.9.42, ao permitir o reconhecimento, seguido ao desquite, de filhos havidos
fora do matrimônio. Mas, só reconheceu Teresa depois de conseguir, à custa de insistências, dois diplomas legais que
tornaram possível à justiça conceder-lhe o pátrio poder e a guarda, diplomas esses que ficaram conhecidos como
Lei Teresoca.
Neste
episódio, méritos creditem-se ao juiz Elmano Cruz pelo desempenho magnífico com
que se houve em respeito à lei. Preceito, lamentavelmente, baldado pelo jurista
Nelson Hungria, o “Príncipe dos Penalistas Brasileiros”, em função das suas relações de amizade com
Chatô, um dos homens públicos mais
influentes do Brasil nas décadas de 1940 e 1960.
* Paulo Maria de Aragão
Advogado e professor
Membro do Conselho Estadual da OAB-CE
Titular da Cadeira nº 37 da ACLJ
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