A HISTÓRIA SE REPETE?
Rui Martinho Rodrigues*
Tivemos manifestações de rua na
campanha das diretas. A economia ia mal. Partidos, líderes, sindicatos e
organizações estudantis convocavam o povo, com o apoio de ativistas de tempo
integral.
Contra
o Collor as manifestações tinham como alvo a corrupção. Novamente era a economia que incomodava. Personalidades bastante influentes, organizações políticas, com o apoio
unânime da imprensa e ativista profissionais convocavam às manifestações.
Dizia-se: “Sem ética não dá!”. Não era golpismo, embora tenhamos chegado ao
impeachment, ainda que o processo devesse ter sido extinto por perda de objeto,
depois da renúncia do presidente.
As jornadas de junho refletiram
indignação contra a roubalheira nas obras da copa do mundo, associadas a todas
as insatisfações da sociedade, embora não houvesse desemprego ou inflação
elevada, para os padrões brasileiros. Parte dos manifestantes era formada pela
boiada cidadã, tangida pelos vaqueiros do rebanho político, como os black bloc.
Estes caracterizaram-se pela violência e pelo vandalismo. O Movimento Passe Livre
também teve algum papel, desfraldando a bandeira do almoço sem conta, levando
um rebanho às manifestações.
Novamente o povo vai às ruas, neste
ano de 2015. Não atende ao apelo de líderes prestigiosos; não é guiado por
vaqueiros da boiada cidadã; nem pelo comando de partidos ou entidades da
sociedade civil aparelhada. Não se trata de reunir um conjunto de insatisfações
difusas. Também não se trata da expressão da impulsividade juvenil, de um carnaval
cívico, de apresentação de artistas ao embalo de drogas, pois as manifestações
estão cheias de cabeças grisalhas.
Não se trata de vandalismo. Não se arranca
uma flor de um jardim. Gente responsável comparece com toda a família,
inclusive levando criança de colo. Pelegos não estão presentes, nem monstros
sagrados artificiais. Presentes estão a responsabilidade, a consciência cívica
e a maturidade. Não são manifestações mercenárias, não havendo nelas ativista
remunerado. Ainda uma diferença: as atuais manifestações são convocadas para os
domingos, por gente que trabalha, estuda e não pretende causar transtorno a
terceiros inocentes.
A história se repete? Enumeramos as
diferenças. Lembremos a repetição. Repúdio à corrupção e aos governantes
identificados com o objeto de protesto é o foco das manifestações de hoje e de
ontem. A presença da sociedade civil desorganizada, não domesticada, não
aparelhada, por isso mais espontânea, representativa e autêntica é outro
aspecto repetido. Estas são características da maioria silenciosa, que é
silenciosa demais, só saindo às ruas quando a situação chega a extremos.
Será tragédia ou farsa a repetição de
alguns aspectos das diferentes manifestações?
Não. Tragédia é a repetição da
corrupção; a falta de representação política, motivo do povo ir às ruas. Não
deve ser considerado uma tragédia que o povo livre se manifeste, sem o jugo da
sociedade civil aparelhada e dos vaqueiros da boiada cidadã. Nem tragédia nem
farsa. Citar Marx pode exalar um certo charme entre
intelectuais ungidos, nada mais.
*Rui Martinho Rodrigues
Professor – Advogado
Historiador - Cientista Político
Titular Emérito de sua Cadeira de nº 10
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