ÓDIO
Humberto
Ellery*
Todos desejam a Paz! Mas nem todos buscam as coisas que
nos dão a verdadeira Paz. (Pe. Thomas de
Kempis – in “Imitação de Cristo”)
Eu tinha aproximadamente oito anos e seguia para
casa com meu pai, Humberto Ellery, no seu velho Ford 1936. Seguíamos pela Rua Guilherme Rocha
quando, no cruzamento com a Rua Padre Mororó, onde hoje se ergue o Edifício
Cidade, meu pai disse:
“Está
vendo esta casa? Aqui morava a família do meu amigo General Murilo Borges. Alguns
anos atrás, na véspera do Natal, a D. Narcisa, mãe do Murilo, foi defender a
cozinheira que estava sendo agredida pelo marido, e o rapaz, enfurecido com
aquela intromissão, esfaqueou e matou a indefesa senhora. Um crime bárbaro. E o
meu amigo Murilo teve uma atitude que deixou muita gente abismada. Na época do
assassinato ele era Capitão, e usou de toda a sua autoridade para impedir que o
criminoso fosse linchado. O assassino foi capturado, julgado, condenado e foi
para o presídio, mas o Murilo não deixou que o matassem, nem sequer que o
maltratassem.”
Meu pai ficou em silêncio por um curto espaço
de tempo para observar minha reação. Eu comecei dizendo que também não deixaria
que as pessoas o matassem, eu mesmo o mataria.
Calmamente meu pai me perguntou por que eu
faria isso. Respondi que um assassino cruel, covarde, e não sei mais o que,
merecia a morte.
–
Então você quer ser igual a ele, assassino, covarde, cruel e não sei mais o que”
– emendou meu pai.
– Mas
pai – retruquei – se ele matasse a minha mãe... – enquanto eu procurava as palavras para concluir a frase, ele
interveio dizendo:
– Ah
bom...! Quer dizer que o fato de ele matar sua mãe lhe daria o direito de
matá-lo? Então você acaba de dar ao filho dele o direito de matar você também,
não é? Você acha que isso é justiça ou vingança?
Antes que eu pudesse organizar uma contra
argumentação, ele me falou:
– Meu
filho, você fez sua primeira comunhão há pouco tempo. Já se esqueceu do que
aprendeu nas aulas de Catecismo? Esqueceu-se dos ensinamentos de Jesus Cristo?
Ele fez uma pausa para eu poder pensar, e em
seguida perguntou:
– Você
lembra-se do que Jesus falou sobre o perdão? Sobre oferecer a outra face?
– Lembro,
não esqueci, mas esse negócio de oferecer a outra face é muito difícil – respondi.
– Claro
que é difícil, mas é no perdão, no oferecer a outra face que está o futuro de
paz para a humanidade, e não na vingança. Hoje, depois que você fizer os
deveres de casa vá ao meu gabinete, pegue uma enciclopédia e faça uma pesquisa
sobre a Lei de Talião, para conversarmos sobre esse assunto depois.
Passados os anos, não sei se por uma
predisposição genética, ou por conta da educação que meu pai e minha mãe
proporcionaram aos filhos, a verdade é que não consigo sentir ódio ou
rancor.
Lembro-me agora de uma música do Padre Zezinho
(“Um coração para amar”) que cantamos na missa, durante o ofertório, que diz: “Quero que o meu coração, seja tão cheio de
paz, que não se sinta capaz de sentir ódio ou rancor”. O segredo é esse,
encher o coração de paz e amor, então não sobra espaço para o ódio.
Estou lembrando essas coisas porque estou
preocupadíssimo com a escalada de ódio que está se alastrando por nosso País do
“brasileiro cordial” (cor, cordis =
coração), cedendo espaço para manifestações absurdas de agressões verbais, e
até físicas, contra pessoas que, muitas vezes, simplesmente pensam de maneira
diferente.
Como esquecer as agressões ao Alexandre
Garcia, à Míriam Leitão, aos senadores Gleisi Hoffman e Lindberg Farias, ao
Ministro Gilmar Mendes, a tantos outros políticos. Isso não é atitude de gente
civilizada! Esta semana, no blog do Cláudio Humberto, li um artigo de um
advogado, ex-Procurador de um Ministério, não só defendendo, como justificando,
e até incentivando o cometimento de outras barbaridades como essas.
Recentemente um amigo me fez um convite: “Ellery, no dia que o Lula for preso apareça
lá em casa para tomarmos um Champagne e estourarmos uns fogos que comprei,
vamos ter casa cheia, vários amigos já confirmaram presença”.
Sorri, agradeci o convite educadamente, mas
não irei, por, pelo menos, três razões: Em primeiro lugar porque, mesmo quando
eu ainda apreciava bebidas alcoólicas, eu não gostava de Champagne; em segundo
lugar porque eu detesto fogos de artifício estrepitosos, que magoam os tímpanos
(os que colorem o céu, eu adoro).
Por último, mesmo eu considerando que o Lula é o personagem mais pernicioso da História do Brasil, em todos os tempos, e mesmo considerando que merece cadeia por seus crimes (depois do devido processo legal, por óbvio), não lhe tenho ódio, nem me regozijo com a desgraça dele. Sou imune a schadenfreude – como denominam os alemães o sentimento íntimo de sadismo.
Por último, mesmo eu considerando que o Lula é o personagem mais pernicioso da História do Brasil, em todos os tempos, e mesmo considerando que merece cadeia por seus crimes (depois do devido processo legal, por óbvio), não lhe tenho ódio, nem me regozijo com a desgraça dele. Sou imune a schadenfreude – como denominam os alemães o sentimento íntimo de sadismo.
NOTA. O General Murilo Borges foi
Secretário de Polícia e Segurança Pública do Estado do Ceará, e depois Prefeito
Municipal de Fortaleza. Colega de farda e grande amigo de meu pai, também muito
religioso, faleceu dentro da Igreja de S. Vicente, durante a missa, ao lado da
esposa e das filhas.
COMENTÁRIO:
O cronista,
após relatar uma bela experiência familiar, sobre um fato histórico local do passado recente, está absolutamente correto ao concluir que o
ódio, enquanto sentimento, deve ser evitado a todo custo, assim como lhe ensinava o velho pai, um
homem cujo caráter gigante, sabedoria imensa e vultoso espírito cristão não
cabiam na sua compleição física modesta.
Mas o
filósofo se equivoca quando não considera que se pode (e deve) externar indignação
moral e manifestar revolta cívica, bem como comemorar a justa derrota dos ímpios,
mesmo sem estar intimamente consumido pelo rancor pessoal contra ninguém.
As agressões morais coletivas que essas pessoas públicas têm sofrido não são causadas por mera rivalidade política ou intolerância ideológica, mas pela sua desastrada atuação em suas funções e mandatos – e não somente na seara administrativa, mas no campo ético e penal. Isso nada tem a ver com ódio.
As agressões morais coletivas que essas pessoas públicas têm sofrido não são causadas por mera rivalidade política ou intolerância ideológica, mas pela sua desastrada atuação em suas funções e mandatos – e não somente na seara administrativa, mas no campo ético e penal. Isso nada tem a ver com ódio.
Quando Jesus expulsou os vendilhões do
templo, de forma disciplinar e pedagógica, certamente fê-lo para defender o sagrado, sem com isso destilar ódio
pelos que o profanavam, portanto sempre considerando a perspectiva do perdão.
Não. A virtude precisa ser vigorosamente defendida, e o
vício violentamente combatido, sob pena de praticarmos o mal da omissão conivente e do silêncio covarde – pelo menos enquanto não estivermos nos pacíficos jardins do Éden ou atingirmos a placidez absoluta do Nirvana.
Reginaldo Vasconcelos
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