domingo, 25 de fevereiro de 2018

CRÔNICA - Acho que Vou Querer uma Sopa (VM)



[...] ACHO QUE

VOU QUERER UMA SOPA!
Vianney Mesquita*


      
A fome é o melhor cozinheiro. (Anônimo).

Muito me contenta verificar o fato de que, vez por outra, abica a nau de um cronista novo no porto expressivo, e já bem rico, configurado no jornal eletrônico da Academia Cearense de Literatura e Jornalismo. Aqui, desde 2013, publico crônicas, artigos, poemas e escritos de conteúdo mais pesado, conforme o são os da área científica.

Também sou leitor radicado do blog, cujas matérias, em sua maioria, são objeto da minha admiração e, muitas vezes, vibro e me comovo com seus teores bem meditados, expressos por pessoas de alteado talento literário, veio artístico e capacidade opinativa – aliás, seja isto manifesto, de passagem – tal sucede com a maioria dos seus colaboradores.

A propósito, salvante escorrego de lembrança, é a quarta oportunidade que diviso para ler, com duplicado comprazimento, textos de Edmar de Oliveira Santos, com quem não experimentei, ainda, o prazer de estabelecer conhecimento. São escritos, a igual tempo, inteligentes, profundos e leves, fato denotativo de que é detentor dos melhores cabedais intelectivos, evidentemente, com escolaridade esmerada, bem como prontidão sorvida no decurso de sucessão da escola da vida.

Dele apreciei a crônica Aceita um Café?, publicada ontem, e me envolvi profundamente com suas estórias, haja vista o fato de me açularem a memória, trazendo-me de volta fatos da puerícia e juventude, os quais me fizeram retornar à Palmácia, onde morei desde que nascido. Trouxe-me à evocação, na Fortaleza dos anos de 1960-70, entre outros, o Pega-Pinto do Mundico, a Miscelânea, Novail, Casas Pernambucanas, A Espingarda e, principalmente, o Abrigo Central, derrubado em 1967 para construir o verdadeiro caixão em que se transformou a Praça do Ferreira, felizmente reformada, depois, para a configuração arquitetônica tomada até a atualidade.

No Abrigo Central (que muitos caipiras e caiçaras cearenses chamavam aubrigo), ficavam vários cafés e lanchonetes, incluindo o estabelecimento do Pedão da Bananada, paredro da torcida do Ceará, chefe emérito dos seus simpatizantes, que a cambada do Fortaleza (a carniça, em represália) já chamava de urubus.

Dois fatos pitorescos – o primeiro tanto gracioso quanto histórico – sucederam no Aubrigo. Ocorreu de Moreira Campos (José Maria), o maior contista do mundo, ter conduzido, para ali tomar um cafezinho, o lexicógrafo e lexicólogo Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, celebrado intelectual alagoano, que preparava, naquele momento, mais uma edição do conhecido hoje como Dicionário Aurélio. Holanda, extraordinariamente atilado, captava tudo o quanto era de regionalismo para verificar o que poderia adentrar seu léxicon.

Quando o Professor Moreira Campos disse – “Dois cafés ...!”, o atendente gritou para a moça que preparava o produto: “Duas louças”! Então, Buarque de Holanda, incontinenti, sacou da Compactor e escreveu: CEARÁ – CAFÉZINHO – LOUÇA.

E, hoje, louça é sinônimo perfeito de cafezinho, no padrão de regionalismo cearense, insertado que foi no famoso glossário pelo próprio autor.

Meu colega de Universidade Federal do Ceará e amigo de pescarias, o hoje psicólogo e psicanalista Sidcleiton Viana Jucá, era funcionário do BNB, trabalhando no prédio do Cine São Luiz (o Cinema era em baixo), Praça do Ferreira. Uma vez ele desceu para saborear o café do Aubrigo. Ali na merendeira, cujo nome não me ocorre agora, se vendia tudo o quanto era de merenda – bolachas, biscoitos, bolos, sopas, pastéis et reliqua. Quando sorvia uma louça, chegou o Ciro, seu colega de meninice no Pacoti (vizinho à minha Palmácia).

Ciro tinha chegado do Pacoti havia pouco, no mixto do Fariinha, que estacionava na Praça da Sé, na frente do Café Catedral, e estava com muita fome, pois, às três da tarde, quebrado como arroz de terceira, ainda não havia almoçado. Cumprimentou o Sid, conversaram miunças, conversa vai, conversa vem, até que o Sid falou: “Ciro, é servido um cafezinho? O rapaz pacotiense não titubeou e, de imediato, falou: – ACHO QUE VOU ACEITAR UMA SOPA!


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