[...] ACHO
QUE
VOU QUERER UMA SOPA!
Vianney Mesquita*
A fome é o melhor cozinheiro. (Anônimo).
Muito
me contenta verificar o fato de que, vez por outra, abica a nau de um cronista
novo no porto expressivo, e já bem rico, configurado no jornal eletrônico da
Academia Cearense de Literatura e Jornalismo. Aqui, desde 2013, publico
crônicas, artigos, poemas e escritos de conteúdo mais pesado, conforme o são os
da área científica.
Também
sou leitor radicado do blog, cujas
matérias, em sua maioria, são objeto da minha admiração e, muitas vezes, vibro
e me comovo com seus teores bem meditados, expressos por pessoas de alteado
talento literário, veio artístico e capacidade opinativa – aliás, seja isto manifesto,
de passagem – tal sucede com a maioria dos seus colaboradores.
A
propósito, salvante escorrego de lembrança, é a quarta oportunidade que diviso
para ler, com duplicado comprazimento, textos de Edmar de Oliveira Santos, com quem
não experimentei, ainda, o prazer de estabelecer conhecimento. São escritos, a
igual tempo, inteligentes, profundos e leves, fato denotativo de que é detentor
dos melhores cabedais intelectivos, evidentemente, com escolaridade esmerada,
bem como prontidão sorvida no decurso de sucessão da escola da vida.
Dele
apreciei a crônica Aceita um Café?,
publicada ontem, e me envolvi profundamente com suas estórias, haja vista o
fato de me açularem a memória, trazendo-me de volta fatos da puerícia e
juventude, os quais me fizeram retornar à Palmácia, onde morei desde que
nascido. Trouxe-me à evocação, na Fortaleza dos anos de 1960-70, entre outros,
o Pega-Pinto do Mundico, a Miscelânea, Novail, Casas Pernambucanas,
A Espingarda e, principalmente, o Abrigo
Central, derrubado em 1967 para construir o verdadeiro caixão em que se
transformou a Praça do Ferreira, felizmente reformada, depois, para a
configuração arquitetônica tomada até a atualidade.
No Abrigo Central (que muitos caipiras e
caiçaras cearenses chamavam aubrigo),
ficavam vários cafés e lanchonetes, incluindo o estabelecimento do Pedão da Bananada, paredro da torcida do
Ceará, chefe emérito dos seus simpatizantes, que a cambada do Fortaleza (a carniça, em represália) já chamava de urubus.
Dois
fatos pitorescos – o primeiro tanto gracioso quanto histórico – sucederam no Aubrigo. Ocorreu de Moreira Campos (José
Maria), o maior contista do mundo, ter conduzido, para ali tomar um cafezinho,
o lexicógrafo e lexicólogo Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, celebrado
intelectual alagoano, que preparava, naquele momento, mais uma edição do
conhecido hoje como Dicionário Aurélio.
Holanda, extraordinariamente atilado, captava tudo o quanto era de regionalismo
para verificar o que poderia adentrar seu léxicon.
Quando
o Professor Moreira Campos disse – “Dois cafés ...!”, o atendente gritou para a
moça que preparava o produto: “Duas louças”! Então, Buarque de Holanda,
incontinenti, sacou da Compactor e
escreveu: CEARÁ – CAFÉZINHO – LOUÇA.
E,
hoje, louça é sinônimo perfeito de cafezinho, no padrão de regionalismo
cearense, insertado que foi no famoso glossário pelo próprio autor.
Meu
colega de Universidade Federal do Ceará e amigo de pescarias, o hoje psicólogo
e psicanalista Sidcleiton Viana Jucá, era funcionário do BNB, trabalhando no
prédio do Cine São Luiz (o Cinema era em baixo), Praça do Ferreira. Uma vez ele
desceu para saborear o café do Aubrigo.
Ali na merendeira, cujo nome não me ocorre agora, se vendia tudo o quanto era
de merenda – bolachas, biscoitos, bolos, sopas, pastéis et reliqua. Quando sorvia uma louça,
chegou o Ciro, seu colega de meninice no Pacoti (vizinho à minha Palmácia).
Ciro
tinha chegado do Pacoti havia pouco, no mixto do Fariinha, que estacionava na
Praça da Sé, na frente do Café Catedral, e estava com muita fome, pois, às três
da tarde, quebrado como arroz de terceira, ainda não havia almoçado.
Cumprimentou o Sid, conversaram miunças, conversa vai, conversa vem, até que o
Sid falou: “Ciro, é servido um cafezinho? O rapaz pacotiense não titubeou e, de
imediato, falou: – ACHO QUE VOU ACEITAR UMA SOPA!
Nenhum comentário:
Postar um comentário