terça-feira, 13 de fevereiro de 2018

CRÔNICA - Cavalheiro, Eu Não Estou Brincando! (RV)


CAVALHEIRO,
EU NÃO ESTOU BRINCANDO!
Reginaldo Vasconcelos*


“Cavalheiro, eu não estou brincando!”. Este é um “código de família” que temos, e utilizamos sempre que alguém se mete onde não deve e se dá mal. Nasceu de uma história relatada por meu pai, de quando ele convidou um candidato a cunhado a ir com ele assistir ao carnaval na Boate Guarani, no centro da Cidade, lá pelos anos 50.

Era um sujeito alto e sempre bem penteado com bastante brilhantina, prefeito em sua cidade praiana, o qual pretendia casar-se com uma de minhas tias, bem mais jovem do que ele. Era de boa família da província, tinha posses.

Não estudara muito, mas era dentista prático, e terminou a vida como Delegado da Secretaria da Fazenda, cargo que obteve por nomeação política, em honra de seu patrimônio eleitoral. Casou com a minha tia, era bom sujeito, morreu recentemente aos 93 anos.

A Boate Guarani era um bataclan prestigiado pelos mais destacados próceres dissolutos da Cidade, nos autos do palacete de mesmo nome, onde funcionou a Agência Castelo Branco do Banco Estado do Ceará, prédio no centro de Fortaleza até hoje parcialmente preservado.

Em lá chegando, o meu pai e o meu futuro tio afim, ficaram à margem do salão, olhando o baile circular ao som da orquestra, as prostitutas e os seus clientes animados, as teúdas muito bem fantasiadas, assim como os seus ilustres “protetores” – empresários, jornalistas, políticos, desembargadores – todos devidamente embriagados.

Até que um desses bêbados mais ousado, um sujeito forte e corpulento, vestido como vaqueiro e portanto vergando um suado e fedorento gibão de couro, percebeu que aquele visitante era um rematado paspalhão (em slack de linho branco engomado e calça social branca e brilhosa, de pura cambraia). Então veio por traz e o abraçou pela cintura, arrastando-o para o centro do pagode, aos pulos e ao som de “Rep! Rep! Rep!”, no ritmo da música.

Ele, tentando se desvencilhar, em vão gritava, desesperado: “Cavalheiro! Eu não estou brincando!; Cavalheiro! Eu não estou brincando!. Já no meio da primeira rodada, meu tio se acocorou de repente, livrando-se daquele abraço de urso, porém não saiu incólume. A camisa de linho libertou-se do cós das calças, amarrotada como um maracujá de gaveta, e o penteado foi desfeito, erguido como a crista de um pássaro cardeal.

Moral da história: quem não está brincando, é bom evitar o carnaval.



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