CAVALHEIRO,
EU NÃO ESTOU BRINCANDO!
Reginaldo Vasconcelos*
“Cavalheiro, eu não estou brincando!”. Este é
um “código de família” que temos, e utilizamos sempre que alguém se mete onde
não deve e se dá mal. Nasceu de uma história relatada por meu pai, de quando
ele convidou um candidato a cunhado a ir com ele assistir ao carnaval na Boate
Guarani, no centro da Cidade, lá pelos anos 50.
Era um sujeito alto e sempre bem penteado com
bastante brilhantina, prefeito em sua cidade praiana, o qual pretendia casar-se
com uma de minhas tias, bem mais jovem do que ele. Era de boa família da província, tinha posses.
Não estudara muito, mas era dentista prático,
e terminou a vida como Delegado da Secretaria da Fazenda, cargo que obteve por nomeação
política, em honra de seu patrimônio eleitoral. Casou com a minha tia, era bom
sujeito, morreu recentemente aos 93 anos.
A Boate Guarani era um bataclan prestigiado pelos mais destacados próceres dissolutos da
Cidade, nos autos do palacete de mesmo nome, onde funcionou a Agência Castelo
Branco do Banco Estado do Ceará, prédio no centro de Fortaleza até hoje parcialmente preservado.
Em lá chegando, o meu pai e o meu futuro tio afim, ficaram à margem do salão, olhando o baile circular ao som da orquestra,
as prostitutas e os seus clientes animados, as teúdas muito bem fantasiadas,
assim como os seus ilustres “protetores” – empresários, jornalistas, políticos,
desembargadores – todos devidamente embriagados.
Até que um desses bêbados mais ousado, um
sujeito forte e corpulento, vestido como vaqueiro e portanto vergando um suado
e fedorento gibão de couro, percebeu que aquele visitante era um rematado
paspalhão (em slack de linho branco engomado e calça social branca e brilhosa,
de pura cambraia). Então veio por traz e o abraçou pela cintura, arrastando-o
para o centro do pagode, aos pulos e ao som de “Rep! Rep! Rep!”, no ritmo da
música.
Ele, tentando se desvencilhar, em vão gritava,
desesperado: “Cavalheiro! Eu não estou brincando!; Cavalheiro! Eu não estou brincando!”. Já no meio da primeira
rodada, meu tio se acocorou de repente, livrando-se daquele abraço de urso, porém
não saiu incólume. A camisa de linho libertou-se do cós das calças, amarrotada
como um maracujá de gaveta, e o penteado foi desfeito, erguido como a crista de
um pássaro cardeal.
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