O IMPOSSÍVEL ACONTECE
Rui Martinho Rodrigues*
“O impossível acontece” era uma coluna de
humor, da antiga revista O Cruzeiro. No mundo real acontecem coisas
inimagináveis. Nada a lamentar, salvo quando se trate de tragédia. A matança em
nosso país, com destaque para o nosso Estado e a nossa cidade, caso fosse descrita
alguns anos atrás, não seria
desacreditada. Massacres são praticados na “Oropa, França e Bahia”. Nos EUA
tornaram-se frequentes. Até na Noruega já houve chacina. Alguém ou algumas
pessoas praticam múltiplos homicídios e se evadem, são mortos pela Polícia ou
escolhem a via do suicídio. É difícil evitar tais desatinos.
Outra coisa é despejo de famílias das suas
casas pelas facções criminosas. Quem toma uma casa pretende usá-la. Não se
evade simplesmente após o crime. É como se o homicida permanecesse no local do
assassinato, desafiando as autoridades. Pior ainda quando isso acontece
repetidas vezes. É pouco? Tem mais. Quadras inteiras têm sido usurpadas pelos
criminosos. Conjuntos habitacionais inteiros estão sob ameaça. Reintegração de
posse? Não tenho notícia. Isso é impossível, mas, tragicamente, acontece.
Talvez os proprietários despejados não se
sintam protegidos pelas autoridades para voltar às suas residências. Isso
explicaria a não restituição do imóvel, atestando igualmente a insegurança na
periferia. Mas os novos usuários dos imóveis esbulhados poderiam ser alcançados
pela lei. Algum deles já foi pego? Não tenho notícia disso.
A vida é o maior bem jurídico, tutelado pelo
Estado com as maiores penalidades aos homicidas. As chacinas são,
compreensivelmente, o crime mais chocante. O controle territorial por parte de
quem despeja famílias de suas residências – e nelas se instala impunimente – é
uma evidência da perda de controle, pelo Estado, do território e da violência.
Não é preciso ser hobbesiano para
admitir que sem estes dois itens – a proteção à vida e à propriedade – o
Leviatã não passa de uma fantasia. Uma quadrinha popular de outrora dizia: “Não
tenho medo de homem/ Nem do ronco que ele tem/ Pois besouro também ronca/ Vai-se
olhar, não é ninguém”. O falso Leviatã ronca, mas não passa de um besouro.
Chegamos ao ponto da falência completa dos
poderes públicos. Milhares de mortes indicam a existência de uma conflagração.
A perda de território evidencia que as tropas supostamente a serviço da paz
social estão batendo em retirada desordenadamente. Bandido não tem medo de
besouro. Os agentes do “besouro” estão intimidados, constrangidos que foram a
fazer guerra sem o uso da violência. Tal coisa é uma modalidade de impossível
que não acontece.
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