segunda-feira, 5 de fevereiro de 2018

ARTIGO - O Impossível Acontece (RMR)


O IMPOSSÍVEL ACONTECE
Rui Martinho Rodrigues*



“O impossível acontece” era uma coluna de humor, da antiga revista O Cruzeiro. No mundo real acontecem coisas inimagináveis. Nada a lamentar, salvo quando se trate de tragédia. A matança em nosso país, com destaque para o nosso Estado e a nossa cidade, caso fosse descrita alguns anos atrás, não seria desacreditada. Massacres são praticados na “Oropa, França e Bahia”. Nos EUA tornaram-se frequentes. Até na Noruega já houve chacina. Alguém ou algumas pessoas praticam múltiplos homicídios e se evadem, são mortos pela Polícia ou escolhem a via do suicídio. É difícil evitar tais desatinos.

Outra coisa é despejo de famílias das suas casas pelas facções criminosas. Quem toma uma casa pretende usá-la. Não se evade simplesmente após o crime. É como se o homicida permanecesse no local do assassinato, desafiando as autoridades. Pior ainda quando isso acontece repetidas vezes. É pouco? Tem mais. Quadras inteiras têm sido usurpadas pelos criminosos. Conjuntos habitacionais inteiros estão sob ameaça. Reintegração de posse? Não tenho notícia. Isso é impossível, mas, tragicamente, acontece.

Talvez os proprietários despejados não se sintam protegidos pelas autoridades para voltar às suas residências. Isso explicaria a não restituição do imóvel, atestando igualmente a insegurança na periferia. Mas os novos usuários dos imóveis esbulhados poderiam ser alcançados pela lei. Algum deles já foi pego? Não tenho notícia disso.

A vida é o maior bem jurídico, tutelado pelo Estado com as maiores penalidades aos homicidas. As chacinas são, compreensivelmente, o crime mais chocante. O controle territorial por parte de quem despeja famílias de suas residências – e nelas se instala impunimente – é uma evidência da perda de controle, pelo Estado, do território e da violência. Não é preciso ser hobbesiano para admitir que sem estes dois itens – a proteção à vida e à propriedade – o Leviatã não passa de uma fantasia. Uma quadrinha popular de outrora dizia: “Não tenho medo de homem/ Nem do ronco que ele tem/ Pois besouro também ronca/ Vai-se olhar, não é ninguém”. O falso Leviatã ronca, mas não passa de um besouro.

Chegamos ao ponto da falência completa dos poderes públicos. Milhares de mortes indicam a existência de uma conflagração. A perda de território evidencia que as tropas supostamente a serviço da paz social estão batendo em retirada desordenadamente. Bandido não tem medo de besouro. Os agentes do “besouro” estão intimidados, constrangidos que foram a fazer guerra sem o uso da violência. Tal coisa é uma modalidade de impossível que não acontece.



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