quarta-feira, 28 de fevereiro de 2018

CRÔNICA - Cego do Amendoim (TL)



CEGO DO AMENDOIM
Totonho Laprovitera*


O sol tinha acabado de se por quando, no Mercado dos Peixes, eu, Erick e Ferruccio nos deparamos com um jovem cego, vendedor de amendoim.

Apresentado pelo Luís “Rei dos Cornos” – que foi reconhecido só pelo aperto de mão – pra início de conversa, afável, o deficiente visual logo se mostrou boa-praça e de bem com a vida. Daí, puxando cavaco, travamos um leve e bem-humorado bate-papo.

– Você é cego de nascença? 
– indagou Ferruccio.

– Não, doutor. Eu enxergava, mas sofri uma pedrada na cabeça quando era pivete e, quando virei adulto, comecei a ter dor de cabeça, a minha vista foi embaçando, embaçando, até que fiquei cego.

– Mas você não procurou um médico? – inquiriu Erick.

– Procurei, mas quando já era tarde demais.

– Tarde demais? – perguntei.

– Sim, porque o glaucoma já havia consumido minha visão.

– Diga pra eles o que você era, antes de cegar  – pediu Luís.

– Ah, eu era garçom e dos bons! Mas, perdi a visão, então, fui obrigado a largar a profissão, e para sobreviver eu hoje vendo amendoim.

– E tem mais, mesmo sem ver, ele conhece qualquer cédula! – glosou Luís.

– É mesmo? – perguntou Ferruccio.

– É, sim, senhor – rindo.

– Pois então vamos fazer um desafio. Eu vou lhe dar umas cédulas pra você segurar. As que você identificar serão suas. Tá valendo?

– Tá valendo. Sério.

Ora, foram quatro cédulas – 2, 5, 10 e 50 reais, não nessa ordem – e o cego não errou uma. Quer dizer, acertou e embolsou todas!

Aí, fiquei curioso de saber qual a técnica usada por ele para identificar as notas.

– Amigo, você as reconhece pelo tato, naturalmente.

– Sim.

– Por alguma saliência ou aspereza?

– Não, senhor, pelo tamanho.

Pois é, muitas vezes eu penso que tem é cego que, mesmo sem ver, enxerga.



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