VALE
O ESCRITO
Humberto
Ellery*
Eu não sou Advogado. Acontece que aprendi a
ler aos cinco anos de idade e nunca mais parei. Evidentemente, para ser um
causídico não basta saber ler (condição necessária, mas não suficiente).
Então, como não queria ficar de fora do
momentoso julgamento de TSE, fui acompanhar seu desenrolar lendo, pari
passu, juristas e
professores da matéria e construindo a minha opinião.
Vi e ouvi também muitos leigos, muitos deles
intelectuais respeitados, ao final do julgamento, dizendo bobagens do tipo:
assim não dá pra combater a corrupção! Ora, o TSE não é o locus
apropriado para combater corrupção, sua finalidade precípua é outra.
Mas a estupidez campeã eu a ouvi do jornalista
da Globo News Merval Pereira, que pontificou, cheio de empáfia: “Se o TSE cassa prefeitos, governadores,
vereadores, porque não cassa um presidente? É uma jabuticaba que não serve para nada!” Tamanha barbaridade na
boca de um “imortal” da ABL, convenhamos, tem tudo para ser a bobagem campeã do
torneio de asneiras.
A primeira coisa que aprendi ao acompanhar os
fatos foi que uma Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE) tem prazo até
a Diplomação dos eleitos para ser apresentada, e a Ação de Impugnação de
Mandato Eletivo (AIME) até 15 dias após a Diplomação. Como o autor não pode
prever o futuro, na ação são citados os fatos sobre os quais se pede a
investigação, que deverá se cingir aos prováveis delitos cometidos. Não são
aceitas denuncias que surjam a posteriori.
Lembrei agora de um jogo de futebol entre o
Arranca Toco Esporte Clube e o Quebra Canela de Futebol e Regatas. Dizem que o
presidente do Arranca Toco “comprou” o juiz, pois precisava ganhar aquele jogo,
a fim de disputar com o Leão do Pici Esporte Clube, que iria subir da série “H”
para a série “G”.
Mal começou o jogo e o referee logo
percebeu que não iria precisar nem roubar para fazer jus à propina prometida.
Isso porque o Arranca Toco tinha um jogador, o Diefeito, que era um crack:
desarmava como o Clodoaldo, lançava como o Gerson, driblava como o Garrincha e
fazia gols como o Pelé. Um fenômeno.
Quase ao final do primeiro tempo o time do
Diefeito já ganhava de três a zero, três golaços do ídolo, quando o endiabrado
atacante fez o quarto gol numa posição meio duvidosa. O mediador da partida viu
ali a chance de se mostrar imparcial e honesto e, incontinenti, anulou o gol:
Impedimento claro!, segundo berrou.
Começou o segundo tempo e sobreveio a
tragédia. Entrou em campo o Sobrenatural de Almeida (como diria o Nelson
Rodrigues) e o nosso herói machucou-se. Num lance bobo, sozinho,
desequilibrou-se e caiu sobre o tapete verde. Ohhh!
Naquela época não havia ainda a regra 3, e o
Arranca Toco ficou com apenas dez em campo, e o pior, completamente
desarvorado. Com isso o Quebra Canela se agigantou no gramado e começou a fazer
gols: um, dois e três. Estava empatada a partida.
Aos 44 do segundo tempo, jogo empatado em 3 a
3, o árbitro, já sentindo a propina sumir de suas honradas mãos, chamou
os capitães ao meio do campo e sentenciou: Vocês estão lembrados daquele gol
que eu anulei no primeiro tempo? Pois tá valendo!... e encerrou a peleja.
Vitória de 4 a 3 para o Arranca Toco! “Pode isso, Arnaldo?”.
Mutatis mutandis,
foi o que pretendeu o nobre Ministro Herman Benjamin, trazendo para o TSE fatos
“públicos e notórios”, já além do tempo regulamentar, para querer mudar o
resultado do jogo, pois os tais fatos, embora públicos e notórios, ainda estão
sob investigação, não são fatos já provados, como exige a legislação.
Torci, por fundadas razões, por esse
resultado, mas, embora eu defenda meus argumentos com paixão, construo minhas
convicções com a razão.
O Professor (Direito Constitucional) Pedro
Horta: “Absolvição correta, julgamento técnico, dentro da legislação eleitoral”.
Professor Pedro Estevam Serrano (Direito Constitucional): “No mérito, a decisão
foi correta; cassar a chapa seria, antes de tudo, inconstitucional”.
Já o Professor (Direito Eleitoral) Sávio
Chalita lamenta que: “Percebe-se um apego formal demasiado quanto a questões
processuais. Infelizmente é um desfecho triste para a sociedade”.
Talvez o mestre acredite que não há
necessidade de se apegar a questões processuais formais, melhor o julgador
agradar o clamor da sociedade, vox populi vox Dei (soltem
Barrabás, crucifiquem Jesus).
Talvez, se consultasse o jurista americano Oliver
Wendell Holmes, aprenderia que o Juiz não existe para fazer Justiça, mas para
aplicar a Lei; ou ainda a máxima do Direito usada na Itália, “use o texto, não
a testa!”.
O Globo, em editorial, foi mais ambíguo, deu
uma no cravo outra na ferradura. Começa dizendo que “era uma chance de o
TSE equiparar-se a outras instâncias do Judiciário, identificadas na luta
contra a corrupção” (não sabem para que existe o TSE); depois, afirma que “não se pode acusar de ilegítima a decisão da
Corte. Há argumentos técnicos que embasam o 4 a 3”.
Termino com uma sugestão às autoridades do
Legislativo: incluam no preâmbulo da Constituição o dístico presente nas
poules do Jogo do Bicho: “Vale o que está escrito”.
COMENTÁRIO:
O resultado do julgamento do TSE sob comento
também me favoreceu a preferência, assim como ao autor dessa magnífica crônica, o
ilustradíssimo Humberto Ellery. Porém, data
venia, se valesse essa máxima de Oliver Holmes, no sentido de que cabe ao juiz aplicar a lei, e não fazer justiça, um computador programado para tal
poderia realizar os julgamentos.
Não. Na verdade, o juiz não deve decidir fora
da lei, tanto que precisa fundamentar suas decisões, mas pode interpretar a
norma e os fatos da forma que lhe parecer mais justa, bem como inovar nas anomias, nos
silêncios normativos, apresentando a “motivação” de seus decretos.
A lei não abrange todas as situações que se
apresentam nos casos concretos, de modo que se não tiver essa margem
discricionária, mormente no campo penal, o juiz poderá ser injusto com frequência.
Sim, vale o escrito. Mas muita vez o não
escrito se impõe. A lei eleitoral determina prazos angustos para o ingresso de
ações de investigação e de impugnação, por razões lógicas – ficando
subentendido que o julgamento não demore tanto que a ação perca o totalmente o objeto,
como se deu nesse caso.
Assim, ainda não estando escrito – pois os
prazos para os atos dos juízes, mesmo quando escritos, são “impróprios”, porque
o seu descumprimento não tem consequências punitivas – poderia, sim, o Tribunal
Eleitoral ter entendido houvera a preclusão temporal e consumativa para o processamento
desta ação. E a culpa teria sido do heroico e imodesto Gilmar Mendes.
A Justiça Eleitoral tem caráter penal, já que
visa coibir, investigar, processar e punir crimes cometidos durante as
eleições. E em matéria penal, envolvido o interesse da sociedade, têm-se crimes
de ação pública, em que os órgãos do parquet e os juízes não ficam adstritos aos fatos que
deflagraram o processo.
E sendo um julgamento autônomo, bastavam àquele tribunal os indícios, as evidências e as provas emprestadas, para o seu convencimento sobre a fraude eleitoral – até porque não estariam interferindo na futura condenação pessoal dos agentes, a cargo do Supremo Tribunal.
“Causa de pedir” e “pedido”, expressos na petição
inicial, são institutos do Direito Civil, que não se
confundem com os fatos alegados e as consequências
pretendidas por queixosos, noticiantes e
querelantes que provoquem inquéritos, denúncias e processos penais, quando se
configurem condutas lesivas aos interesses sociais.
Em suma, para mim o ideal seria não ter havido o julgamento, para que se evitasse aquele show de horrores, jurídicos e judiciais, com juízes moralmente suspeitos e um tecnicamente impedido por conflito de interesses, com argumentos evasivos, de cunho eminentemente político, primando pelo velório e o enterro de provas vivas, bem na cara do País.
Reginaldo Vasconcelos
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