UMA LAPADA
Totonho
Laprovitera*
Sucedeu-se na Serra da Meruoca, na bodega do
“seu” Gerardo, onde eu estava me distraindo um pouco. Entre sacas de arroz,
feijão, açúcar e farinha, abancado em um tamborete ao pé do encerado balcão, na
mansidão do lugar eu bilava o movimento e rebolava no mato um tiquinho de
conversa.
Aí, da clara rua, adentrou ao denso recinto
uma contrita senhora de idade, trajando um tradicional vestido de pano azul
claro e bolsos largos, com mantilha aos ombros e missal envolto e com terço às
mãos. Seguramente, ia à Missa das cinco. Aproximou-se do balcão – autêntico
altar da boemia – e baixinho, quase cochichando, rogou: “Por obséquio, seu
Gerardo, uma lapada”.
Com toda a calma do mundo, “seu” Gerardo lhe
serviu a cana até a beira da boca do velho copo americano. Ela ofereceu ao
santo, virou a talagada de uma vez só, passou a mão nos beiços, pagou em moedas
e, serenamente, carregada de fé, seguiu às suas religiosas obrigações.
Nenhum comentário:
Postar um comentário