segunda-feira, 19 de junho de 2017

CRÔNICA - Heureca! (RV)


HEURECA!
Reginaldo Vasconcelos*


Heureca, Mourão!

De vez em quando as confusões do Mundo carecem de uma mente serena que deslinde as suas mais imbricadas conjunturas. Um mar de porquês, indagando e respondendo as questões parciais de uma realidade evidente, mas multifacetada, a exigir uma visão panorâmica e uma conclusão clara de causas e efeitos teologicamente contemplados.

Por exemplo, anos atrás, suscitou-se a polêmica sobre a adoção de catracas automáticas nos ônibus e autoatendimento nos postos de combustíveis brasileiros, porque, pretensamente, esses avanços tecnológicos seriam nefastos ao mercado de trabalho.

Como assim? – me consultava intimamente, eu que fora bancário, e que vira com alegria a penosa função de caixa-executivo ser facilitada e reduzida pelos caixas eletrônicos, e que, viajando pelo mundo, constatara a comodidade que representava para toda a sociedade a substituição de falíveis e extenuantes funções humanas pelas máquinas.

Até que um proficiente e jovem pensador, Antônio Mourão Cavalcante, pontificando a respeito em entrevista na TV, explicou tudo com a simplicidade lúcida do momento do arrebol. Cada salto evolutivo no campo tecnológico sacrifica uma geração profissional, que, perdendo a expertise longamente acumulada, precisa se recolocar no mercado assimilando novas ciências e aprendendo novas técnicas – dizia ele.

Contudo, a projeção sociológica desse processo é positiva e auspiciosa, pois o seu resultado finalístico é o seguinte: no futuro as pessoas vão trabalhar menos, sem perda de renda, incorporando à sua produção remunerada as simplificações tecnológicas.

De fato, agora digo eu, os cavalariços do passado, v.g., que eram condenados a duríssimas funções com as alimárias e as tralhas necessárias, e que ficaram sem chão com o advento do automóvel, são sucedidos hoje por aqueles que se dedicam, com muito mais conforto, à engenharia e à mecânica automotivas.


Eureca, Bruno Reis!

Pois bem. Vinha eu atarantado com a atual crise brasileira – um incêndio de denúncias; a revelação cotidiana de crimes praticados por homens públicos; a prática generalizada de delitos financeiros perpetrados pelos próceres da República; empresas privadas agindo em conluio com governos para desfalcar verbas do erário; juízes supremos comprometidos com políticos e empresários.

Tentava eu traduzir essa babel de informações, resumir essa ópera bufa, ordenar o caos vigente, racionalizar as contradições evidentes. Deduzi então que, afinal, parecia haver uma ética intestina ao mundo político-administrativo brasileiro, não só tacitamente consentida pela estrutura jurídica nacional, mas até necessária ao funcionamento da máquina cênica que faz mover o Leviatã.

Tal ética de que eu suspeitei permitiria aos políticos práticas heterodoxas, do ponto de vista das normas aplicáveis aos cidadãos comuns, e que seriam essenciais ao mecanismo eleitoral, que é considerado o maior ícone da democracia e da república. Todos faziam, todos sabiam, todos calavam. Um grande segredo de polichinelo.

Então, como eu ouvira Mourão no caso antigo, assisto agora a uma entrevista pela Globo News, com a jornalista Mirian Leitão e o Professor Bruno Reis, da Universidade Federal de Minas Gerais.

Com grande bravura intelectual afirmou aquele cientista político que o Judiciário Federal anda considerando cada revelação da Operação Lava Jato como um desvio de conduta isolado e episódico, para processar e prender o protagonista, tratando esses eventos delitivos como pertencessem ao “varejo” criminal. Segundo ele, um erro crasso.

Pensa ele que, na verdade, tirante os excessos e os casos de enriquecimento pessoal, todos os demais delitos se circunscrevem às transgressões praticadas no “atacado”, inerentes às cartorárias estruturas político-partidárias brasileiras. O resultado desse equívoco gigantesco do Judiciário – ele avalia – será a produção de um grande número de mártires do nosso mundo político-administrativo, eventualmente alvejados agora pela devassa federal, sem que isso resolva a questão nem solucione a essência do problema.

Isso porque esses políticos e empresários hoje escorraçados tendem a ser sucedidos por outros iguais, depois de concluída a Operação Lava Jato, que terão a mesma índole e as mesmas condutas, porém muitas vezes obtendo melhor sorte – do mesmo modo que, passado o Mensalão, tudo voltou a ser como dantes no quartel de Abrantes.


E então, concorde com ele, eu concluo que a única solução seria alterar o sistema de governo, já que o tal do “presidencialismo de coalizão” somente funciona aplicando-se aquela ética espúria que eu mesmo intuíra funcionar, um pacto informal que admite e até exige negociatas e conchavos – as tais das “tenebrosas transações” a que se referiu Chico Buarque, e a que aludiu o Cazuza quando reclamou em uma canção: “Brasil, mostra tua cara, quero ver quem paga pra gente ficar assim. Brasil, qual o teu negócio, o nome do teu sócio... confia em mim!”.

    

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