HEURECA!
Reginaldo Vasconcelos*
Heureca, Mourão!
De vez em quando as confusões do Mundo carecem de uma mente serena que
deslinde as suas mais imbricadas conjunturas. Um mar de porquês, indagando e
respondendo as questões parciais de uma realidade evidente, mas multifacetada,
a exigir uma visão panorâmica e uma conclusão clara de causas e efeitos
teologicamente contemplados.
Por exemplo, anos atrás, suscitou-se a polêmica sobre a adoção de
catracas automáticas nos ônibus e autoatendimento nos postos de combustíveis
brasileiros, porque, pretensamente, esses avanços tecnológicos seriam nefastos
ao mercado de trabalho.
Como assim? – me consultava intimamente, eu que fora bancário, e que
vira com alegria a penosa função de caixa-executivo ser facilitada e reduzida
pelos caixas eletrônicos, e que, viajando pelo mundo, constatara a comodidade
que representava para toda a sociedade a substituição de falíveis e extenuantes
funções humanas pelas máquinas.
Até
que um proficiente e jovem pensador, Antônio
Mourão Cavalcante, pontificando a respeito em entrevista na TV, explicou
tudo com a simplicidade lúcida do momento do arrebol. Cada salto evolutivo no
campo tecnológico sacrifica uma geração profissional, que, perdendo a expertise
longamente acumulada, precisa se recolocar no mercado assimilando novas
ciências e aprendendo novas técnicas – dizia ele.
Contudo, a projeção sociológica desse processo é positiva e auspiciosa,
pois o seu resultado finalístico é o seguinte: no futuro as pessoas vão
trabalhar menos, sem perda de renda, incorporando à sua produção remunerada as
simplificações tecnológicas.
De fato, agora digo eu, os cavalariços do passado, v.g., que eram condenados a
duríssimas funções com as alimárias e as tralhas necessárias, e que ficaram sem
chão com o advento do automóvel, são sucedidos hoje por aqueles que se dedicam,
com muito mais conforto, à engenharia e à mecânica automotivas.
Eureca, Bruno Reis!
Pois bem. Vinha eu atarantado com a atual crise brasileira – um incêndio
de denúncias; a revelação cotidiana de crimes praticados por homens públicos; a
prática generalizada de delitos financeiros perpetrados pelos próceres da
República; empresas privadas agindo em conluio com governos para desfalcar
verbas do erário; juízes supremos comprometidos com políticos e empresários.
Tentava eu traduzir essa babel de informações, resumir essa ópera bufa,
ordenar o caos vigente, racionalizar as contradições evidentes. Deduzi então
que, afinal, parecia haver uma ética intestina ao mundo político-administrativo
brasileiro, não só tacitamente consentida pela estrutura jurídica nacional, mas
até necessária ao funcionamento da máquina cênica que faz mover o Leviatã.
Tal ética de que eu suspeitei permitiria aos políticos práticas
heterodoxas, do ponto de vista das normas aplicáveis aos cidadãos comuns, e que
seriam essenciais ao mecanismo eleitoral, que é considerado o maior ícone da
democracia e da república. Todos faziam, todos sabiam, todos calavam. Um grande
segredo de polichinelo.
Então,
como eu ouvira Mourão no caso antigo, assisto agora a uma entrevista pela Globo
News, com a jornalista Mirian Leitão e o Professor
Bruno Reis, da Universidade Federal de Minas Gerais.
Com grande bravura intelectual afirmou aquele cientista político que o
Judiciário Federal anda considerando cada revelação da Operação Lava Jato como
um desvio de conduta isolado e episódico, para processar e prender o
protagonista, tratando esses eventos delitivos como pertencessem ao “varejo” criminal.
Segundo ele, um erro crasso.
Pensa ele que, na verdade, tirante os excessos e os casos de
enriquecimento pessoal, todos os demais delitos se circunscrevem às
transgressões praticadas no “atacado”, inerentes às cartorárias estruturas
político-partidárias brasileiras. O resultado desse equívoco gigantesco do
Judiciário – ele avalia – será a produção de um grande número de mártires do
nosso mundo político-administrativo, eventualmente alvejados agora pela devassa
federal, sem que isso resolva a questão nem solucione a essência do problema.
Isso porque esses políticos e empresários hoje escorraçados tendem a ser
sucedidos por outros iguais, depois de concluída a Operação Lava Jato, que
terão a mesma índole e as mesmas condutas, porém muitas vezes obtendo melhor sorte
– do mesmo modo que, passado o Mensalão, tudo voltou a ser como dantes no
quartel de Abrantes.
E então, concorde com ele, eu concluo que a única solução
seria alterar o sistema de governo, já que o tal do “presidencialismo de
coalizão” somente funciona aplicando-se aquela ética espúria que eu mesmo
intuíra funcionar, um pacto informal que admite e até exige negociatas e
conchavos – as tais das “tenebrosas transações” a que se referiu Chico Buarque,
e a que aludiu o Cazuza quando reclamou em uma canção: “Brasil,
mostra tua cara, quero ver quem paga pra gente ficar assim. Brasil, qual o teu
negócio, o nome do teu sócio... confia em mim!”.
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