TOLEIMAS EM FALA
E ESCRITA ATUAIS
Vianney Mesquita*
É força capitular
perante a ignorância e a tolice, assim como, pela mesma razão, se capitula
perante um inimigo superior em número. (LEANDRO FERNÁNDEZ DE MORATIN. Madrid, 10.03.1760;
Paris, 02.06.1828).
É simples notar no discurso verbal de
hoje, na oralidade quanto no repertório grafado, o registro de sinuosidades na
maneira normal e consentânea de exprimir ideias, em detrimento dos atributos da
língua, mormente de correção e clareza e em prejuízo da enunciação, onde deve
estar contida a estética da oração.
Este fato configura, pois, a banalização do estilo,
forçando a equiparação, no plano inferior, daqueles praticantes de desvios
linguísticos e elocutórios, ao cúmulo de todos falarem e escreverem no mesmo
tom habitual, sem que ninguém se sobreleve sob o ponto de vista de um falante
ou escritor especial, com modos peculiares de tornear, ao ponto de, com isto,
ser de logo conhecido e apreciado.
Circunstância bastante mencionada na história da
literatura mundial – e à qual aprecio vez por outra recorrer – é a referência
procedida pelo naturalista, matemático e escritor de França, Georges Louis de
Leclerc, quando recipiendário da Academia Francesa, ao proferir discurso (1753)
na cerimônia de seu ingresso nesse silogeu célebre.
Naquele ensejo, Leclerc, Conde de Buffon, evidenciou o aspecto inerente ao
estilo, o qual é defeso se separar do seu autor. Uma espécie de Prefeito
do Jardim do Rei, Buffon (Montbard, 07.09.1707; Paris, 16.04.1788), decerto,
jamais atinou para o fato de que restaria eternizado em razão de sua sentença
clássica – L’style c’est l’homme même.
Dita proposição – O estilo é o próprio homem –
significa dizer que, se a ideia concebida pertence à Humanidade, o modo como o
escritor a expressa é faculdade sua, sendo possível, dessarte, mensurar
os graus de seu talento e originalidade.
De tal sorte, os predicados de quem escreve
conferem ao bom leitor a habilidade de saber, de antemão, o perfil do escritor;
e até a credibilidade por parte do decodificador resta, de certa maneira,
dependente dessa feição de quem comunica ao falar ou redigir.
Agradáveis ao ouvido, deleitosos para a vista e
benignos ao coração, os textos escritos e falas expressas ao compasso do bom
estilo estimulam a audiência (no jargão comunicacional, os que veem, ouvem e
falam) a prosperar na atenção até o remate do discurso, deste recolhendo o sumo
precioso de uma ideia bem refletida.
No mesmo passo, se tais produções contiverem
impropriedades elocutórias, vícios de linguagem, repetições desnecessárias,
frases feitas e anacrônicas, manias, chavões, redundâncias, modismos e
necedades – sem se fazer remissão a deslizes gramaticais e a entendimentos
flagrantemente equívocos – o público ledor, de qualidade, vai largá-los e
rejeitá-los para sempre.
Há uns trinta ou quarenta anos, têm ainda curso
entre nós manias como de repente, a nível de, em termos de, de ponta,
transparente etc, porém,
veem-se menos, porque os revedores de textos, de tanto baterem, lograram o
intento de reduzir consideravelmente essas muletas quebradas do discurso, em
especial do repertório escrito e, em particular – o mais grave
– na ambiência universitária.
Parece que esses miseráveis modismos são oriundos
dos nossos grandes aglomerados humanos, como, por exemplo, Rio de Janeiro e São
Paulo, e invadiram a conversa e a escrita das pessoas com maiores
habilidades de fala, detentoras de melhor sinonímia, de um linguajar mais
culto.
São desconchavos, condenáveis, como os mais novos,
aos quais nos reportaremos mais à frente, arraigados tão fundamente no
discurso, de modo que ainda resulta muito comum a pessoa, numa comunicação
curta, empregar uma dessas invenções.
Como se não bastassem os neologismos do economês, sociologuês
e outros “dialetos” e patois, os
quais sempre possuem correspondentes dicionarizados na língua, vêm estes
antitorneios empobrecer cada vez mais o falar da gente comum, transposto a
miúdo para a configuração escrita.
Eles surgem inopinadamente, sem tir-te nem guar-te,
como os “gerundismos” - “ vou estar telefonando”; “é possível estar
ligando para o senhor?”; “Posso estar trazendo um cafezinho?”; e os
“participioismos” – “ele tem comparecido todos os dias”, em vez de
comparece...; “eu sempre (“eu” de sobra, pois o verbo conjugado já
denota a pessoa) tenho observado”, no lugar de observo... etc. etc.
Já não basta o “bom dia!”, absolutamente bem
comunicado. Agora tem de ser “bom dia a todos”, como se numa saudação a
uma assistência o orador ou leitor pudesse fazer acepção de alguém no meio da
multidão. E mais: tem de ser “a todos e a todas”, como se na Língua Portuguesa,
consoante a lei que a aprovou, o genérico não fosse o masculino!
Já chegamos a ouvir, num determinado lugar público,
um leitor, antes de iniciar seu convite, referir-se assim: “Bom dia a todos e a
todas, aos adultos e adultas, jovens e crianças – meninos e meninas”. Isto,
sinceramente, “clama ao céu e pede a Deus vingança!” – para empregar uma frase
feita, tão ao sabor de escrevinhadores de tal jaez.
O mais teimoso, quase tanto ou mais do que o “de
repente”, é a mania insalubre do “a partir” – o qual rivaliza com o mau vezo de
“construção”, "construir” e o modismo doentio do “entorno”. Já
detectamos onze vezes numa página de dissertação de mestrado esta indefectível
truanice. Sugerimos, constantemente, “com origem em”, “esteado nisso”, “com
arrimo em”, “com suporte em”, “com base em”, “com supedâneo em” e tantos e
quantos outros modos de efetivar o pensamento, deseixado de tão desagradáveis
reiterações.
No discurso forense, como retrógrados chavões,
notadamente entre os estudantes de mestrado e doutorado, vem “o feriu de morte”
(o direito adquirido, a coisa julgada e o ato jurídico perfeito), procedente,
talvez, de algum bevilacquista ou seu coetâneo; “Neste diapasão” e “Nesta
toada” servem para dar cafona continuidade ao raciocínio; e o “renomado (o certo
é renomeado) jurista cearense (ele é paraibano), celebrado internacionalmente,
Paulo Bonavides”... (ou qualquer outro).
No mesmo grau estão “através”, em aplicações
equivocadas, em vez de “mediante a”, “por intermédio de”, “por meio de”,
“mediado por” et reliqua.
Como se não fosse suficiente o estreitamento
vocabular, por falta de conhecimento do léxicon português, esses modismos,
frases feitas, chavões e mais e mais asneiras do discurso – especificamente o
acadêmico – são substanciosos em sua teimosia e concorrem, numa crescente, para
depauperar a vernaculidade nacional, pois dicções desprovidas de significante e
ocas de significado, “sepulcros caiados” da elegância terminológica.
Alguns desavisados entendem que o fato de os
empregar significa status, pois denotativos de estarem em contato
estreito com a lexicografia praticada pela academia – e nas grandes cidades –
em dia com a linguagem exercitada em universidades e institutos de pesquisa.
Impõe-se a coerência. É preciso passar na joeira as
expressões adventícias e aculturar somente o que é salutar – e isto, en
passant, no Rio de Janeiro e em São Paulo há de sobejo.
Voltem-se, pois, as vistas para a faustosa Língua
Portuguesa, de recursos ilimitados e portadora da mais assinalada consistência científica.
Seja feito como procedem os alemães, franceses,
ingleses e portugueses, que cultivam e cultuam seus códigos, sem radicalismos e
com o máximo respeito, pelo menos nos discursos verbais, orais e escritos, em
que é exigível a formalidade, como no caso da Academia. Evidentemente, a
semântica se faz diversa no tempo e no espaço geográfico. Não tencionamos negar
a normal diacronia das línguas.
É possível, até, assentir na admissão, às obras de
referência, de neologismos sem correspondentes dicionarizados, entretanto, há
de se rechaçar expressões repetitivas, de aplicação oblíqua, inócuas e viciosas
que nada acrescentam, mas, antes subtraem, modismos e palermices a fazerem de
seus falantes e escritores pessoas antipatizadas pelos leitores de qualidade,
proporcionais aos seus estilos, como entendeu que fosse Georges Louis de
Leclerc, o Conde de Buffon.
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