A LENDA DO
ANIMAL
RACIONAL
Rui
Martinho Rodrigues*
Dizem que somos racionais. Sem dúvida somos dotados
de razão. Não teríamos construído o magnífico edifício da civilização,
inclusive ciência, tecnologia, organização social se assim não fosse. Não
significa, porém, que sejamos guiados pela razão. Paixões limitam o uso do
discernimento lógico. O próprio conhecimento, quando imbuído da presunção de
certeza, pode ser um obstáculo formidável no caminho da sensatez, segundo advertência
de Gaston Bachelard. Mais ainda se estimulado por uma pretensa superioridade
moral.
Max Planck chegou a dizer que a Física só cresce
quando morre uma geração de físicos. Galileu, Pasteur e tantos outros prestam
testemunho semelhante acerca dos limites da razão. A escola do racionalismo
pós-crítico chega a dizer que a ciência é irracional, conforme expressão de um
dos seus maiores expoentes, Thomas Samuel Kuhn, para quem as referências
teóricas são viseiras irracionais, motivo pelo qual Galileu, Pasteur e todos os
autores de descobertas revolucionária não conseguiram explicar aos doutos os
fundamentos de suas descobertas.
Barbara Tuchman, em "A marcha da
insensatez", descreve a incapacidade de perceber os próprios erros, por
parte de pessoas inteligentes e cultas, incrustadas em governos, apesar de reiteradas
advertências. A autora cobre a história da obstinação insensata desde os tempos
de Troia até o século XX.
Corria o ano de 2012, vésperas de eleições
municipais, quando eu participava de um diálogo com pessoas qualificadas, pela a
televisão, o debate foi interrompido para a transmissão da fala da Presidente. Era o anúncio
da redução da tarifa de eletricidade. O grupo apoiou. Tentei dizer que isso
estimulava o consumo sem estimular o investimento e outras coisinhas mais. Nem
mencionei a natureza eleitoreira da medida, obviedade dispensável. Ninguém
concordou.
Algum tempo antes, vivendo situação semelhante, tentei explicar a um
grupo de pessoas de bom nível que a tentativa de baixar os juros por decreto,
com base no voluntarismo, empreendida pelo governo Dilma, não poderia ser bem
sucedida. Seria preciso equilibrar as contas públicas e
adotar políticas minimamente estáveis, sem heterodoxias criativas. Os doutos
não compreenderam.
A política de tarifas artificialmente baixas já
alcançava os combustíveis. Resultado: quebraram o setor elétrico e a Petrobras.
Os juros voltaram a subir, contra a vontade do governo. A represa dos preços
arrombou. O estrago foi pior do que o da barragem de rejeitos de mineração, em
Mariana.
Sair do atoleiro puxando os próprios cabelos, reduzindo
a ciência econômica a uma simples gastança, em nome da "teoria da demanda
agregada" ou da mal explicada "nova matriz econômica", versões
econômicas do moto perpétuo na física, seduz muitos intelectuais.
Os doutos não entendem algumas coisas evidentes,
por mais que se explique. Por que os intelectuais erram tanto? Obstáculo
epistemológico, diria Bachelard. Cegueira dos paradigmas, diria Thomas S. Kuhn.
Tática de engajamento político, diria o homem do povo. Vaidade de quem não quer
retroceder sobre os próprios erros, diriam os antigos. Ou tudo isso, variando
de pessoa para pessoa.
Porto Alegre,
24 de janeiro de 2016
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