CRISE E DEMOCRACIA
Arnaldo Santos*
Talvez não seja a democracia outra coisa
senão os vícios de poucos postos no alcance de todos. (H. BECQUE, dramaturgo francês. Paris, 28.04.1837 – 12.05.1889).
Desde que se abateu sobre o Brasil essa hecatombe
moral e ética, revelada pela Lava-jato, ensejando a crise político-econômica
agravada no segundo semestre de 2015, uma das frases mais pronunciada pelos
políticos, empresários e representantes do Judiciário, e publicada pela
imprensa, foi – “apesar de toda essa crise, as instituições estão
funcionando”.
Indago, então: – funcionando sim; mas de que forma?
Tão importante quanto isto é como e em favor do que estão trabalhando! O fato de
as instituições estarem vivas não traduz o real significado do que se espera
delas, quando se experimenta um regime democrático.
Devemos atentar para o fato que o autoproclamado “funcionamento” percorreu todo o ano passado, e, nem assim, foi capaz sequer de
minimizar efeitos trágicos. Ao contrário, a situação crítica se agravou, e, em
alguns episódios, a razão foi a maneira como se moveram. Resolver a crise – o
que se espera das instituições, a julgar pelo que assistimos durante todo o ano
de 2015 – parece impensável.
Nas democracias verdadeiramente modernas,
instituídas desde o século XVII, o que se exige das instituições (e assim é em
todo mundo) é que funcionem de forma a superar as crises, sejam elas políticas,
econômicas, éticas ou morais, como as que vivenciamos na atualidade. A
sociedade aguarda de nossos institutos é que estes militem para devolver a ordem
objetiva das coisas, a fim de o País ter a possibilidade de retomar o
desenvolvimento e estabelecer soluções para os problemas econômicos e sociais.
Com origem nesse ponto, convido o leitor a fazer
comigo uma rápida retrospectiva acerca do modo como atuaram as instituições
públicas brasileiras, nesse período crítico, com foco na atuação do Legislativo
e do Judiciário, visto que a origem das atuais circunstâncias é o governo.
Na Câmara Baixa, o que vimos foi uma guerra entre oposição
e governo, com parlamentares se agredindo a socos, pontapés e cabeçadas, e cuja
procedência então pautada foi a admissibilidade do pedido de impeachment da Presidente Dilma, em
detrimento das reformas fiscal e previdenciária, e outros ajustes econômicos
propostos pelo ex-ministro Joaquim Levy.
Ainda na Câmara dos Deputados, outro espetáculo
não lisonjeiro, protagonizado por atores sem nenhum talento, foi encenado no
palco da Comissão de Ética, com a troca do relator, agressões físicas, xingamentos
e inúmeros adiamentos da votação do relatório que pede a cassação do deputado
Eduardo Cunha, presidente daquela Casa.
Mencionada personagem teve, ainda, o pedido de
afastamento da Presidência da Mesa Diretora e do mandato, apresentado ao STF,
pelo procurador da República Rodrigo Janot. No Senado, o funcionamento se
limitou à sabatina e aprovação do nome do ministro Edson Fachin, para o STF, à
votação de alguns vetos da Presidente da República e à reformulação de alguns
projetos aprovados pela Câmara, que foi chamada de pauta-bomba.
Também na Casa Alta, a convulsão moral, além de escandalizar
o País, foi inédita. Pela primeira vez na história um senador foi preso em
pleno exercício do mandato, e apenas quando o período legislativo estava se
encerrando, o processo foi instaurado na Comissão de Ética. (Delcidio Amaral,
líder do governo, apesar de preso, continua senador).
Passemos agora a percorrer os amplos corredores de
um moderno símbolo da arquitetura de Brasília, do outro lado da Praça dos Três
Poderes, onde se localiza o clássico teatro
do STF. Lá, o funcionamento quase se restringiu à encenação da peça “Lava-jato”, em seus
cerca de 20 atos, roteirizados e produzidos pelo juiz Sergio Moro e dirigidos
pelo ministro Theory Zavaski, responsável pela prisão de várias personagens
importantes da política e da economia nacionais, dentre eles, além dos
presidentes e diretores das maiores construtoras, e da Petrobrás, políticos, e
até um banqueiro; ressalte-se que foi um espetáculo, nunca dantes encenado no País.
Além da Lava-jato, outra ação do STF, que auferiu
visão pública, foi a definição do rito que deve ser seguido pela Câmara durante
o procedimento do impeachment. Em
mais uma ação considerada como “judicialização da política”, o STF anulou a
comissão paralela que fora ciada pelo deputado Eduardo Cunha, em conluio com as
oposições por ele lideradas, como parte de sua ação contra a Presidente Dilma.
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