A PRENDA
PROLETÁRIA
Assis Martins*
Os presentes quebram pedras. (MIGUEL DE CERVANTES).
Até antes de novembro de 1960 (ano de inauguração da TV Ceará - canal 2), Fortaleza, cidade acanhada de uns 500 mil habitantes, era bastante carente no setor das diversões. A sacada maior era o cinema, principalmente aos domingos, com grande frequência nos cines Majestic, Diogo, Rex, Centro, Moderno e em alguns do subúrbio, como o Nazaré, em Otávio Bonfim, o Cine América (atrás do Colégio Juvenal de Carvalho) e o cinema do Joaquim Távora.
Como opção, havia muitos palcos nos bairros – Teatro Cristo-Rei, Ginásio Santa Maria, no Benfica (onde hoje fica o Museu de
Arte-UFC), Coração de Jesus, São Vicente, em Parangaba, e outros, onde
ajuntamentos de amadores encenavam peças teatrais.
E foi nesses palcos onde fui, durante muito tempo, o ponto (1) oficial nas peças do Conjunto
Teatral Cearense, convivendo com alguns tipos engraçados, cujas presepadas
aprecio relembrar. Muitos já fazem parte
do folclore teatral do Estado, e penso em enfeixar e publicar essas historinhas,
para que não se percam, porque as publicações atinentes só remetem às figuras
importantes.
Alguns grupos ainda hoje são lembrados: CTC - Conjunto Teatral Cearense, de J.
Cabral, TAF – Teatro de Amadores de
Fortaleza, o Teatro dos Gráficos
e alguns menores, mas todos atuantes. Muitos talentos saíram dessas troupes e fizeram nome nacional.
Nos anos seguintes, era muito usado o palco do Círculo Operário dos Navegantes, perto da igreja homônima,
em Jacarecanga. Foi ali mesmo que o Didi e o Edson aprontaram uma situação
engraçada, complicada na ocasião, mas lembrada sempre com muitas risadas. Os
dois, companheiros antigos de drama e de farras contumazes, ajudavam
semanalmente nas apresentações do nosso conjunto. Edson cuidava com a maior
competência dos adereços e materiais em geral (era muito bom contrarregra), ao
passo que o Didi era o mestre das instalações elétricas, da colocação dos
rompimentos (2) e gambiarras, bem como da organização geral dos bastidores, invisíveis
para o público, porém imprescindíveis para um bom espetáculo.
Didi era muito tímido, no entanto, melhorava o desempenho
ao tomar algumas, enquanto o Edson era mais desenvolto quando havia garotas,
principalmente domésticas, que acompanhavam os filhos dos patrões.
Aconteceu naquele sábado, em que o Chico Duque, velho
chapa da dupla, fez um convite para um bingo movido a mel, lá pras bandas do
Tirol. Como tinham muitas amizades na
área, pois atuavam da praia da Escola de Aprendizes Marinheiros à Barra do
Ceará, com amplo conhecimento de todos os botecos, passaram a manhã na praia do
Pirambu até a hora do tal víspora, cujo prêmio principal era um peru!
O Didi levou
sorte e ganhou o disputado troféu. Detalhe: o peru era vivo! E, lá se foram,
melados como cordão de amarrar pato, rebocando o peru até o Círculo Operário dos Navegantes,
onde uma peça dramática ia ser encenada; e não poderiam faltar!Com sorte, ainda
chegaram antes do início. Quase houve um desentendimento mais sério com o
diretor, e, após muito diálogo, fizeram um acordo satisfatório. A paz reinou no
seio de Abraão e o peru ficou amarrado numa ripa atrás do cenário, inquieto,
enquanto o dramalhão se desenrolava em longos cinco atos, com muitas lágrimas e
irritantes glu-glus.
(1)No jargão teatral, ponto era o auxiliar de cena que, oculto do público, sentado atrás
de uma redoma situada no palco, de posse dos textos que deveriam ser sabidos de
cor pelos atores, lhes recordava os diálogos, quando eles falhavam. Com a
evolução da tecnologia empregada nas artes teatrais, essa figura já não existe.
(2) Usado no léxico do teatro, rompimento é (era?) uma peça de cenário composta de dois bastidores
ligados por uma bambolina, podendo
haver palcos com três ou quatro conjuntos dessas peças. Bambolinas, na linguagem dramática, são ripas de madeira, faixas de
tecido ou papel, apostas no vão superior do palco com a serventia de pendurar
telões ou para completar o espaço da cena, também podendo ser utilizadas como
recurso cenográfico, a fim de simular folhagem, céu etc.
(Ilustração de Audifax Rios.)
Nenhum comentário:
Postar um comentário