O CEARÁ AQUÁTICO (II)
Cássio Borges
Continuamos
trazendo, para o conhecimento do leitor, outras manifestações do atual
Secretário de Recursos Hídricos do Estado do Ceará, Hypérides Macedo, sobre
o delicado e preocupante tema dos
recursos hídricos deste Estado. Como vimos no artigo anterior, o ilustre
Secretário trata desse seríssimo assunto de forma simplória e prosaica, sem
trazer a público os fundamentos técnicos
e econômicos, usando frases de efeito publicitário e de marketing, dirigidas a um público pouco afeito a essa
questão de grande profundidade técnico-cientifica.
São
ainda do ilustre Secretário outras expressões que merecerão, certamente, serem incluídas num
novo glossário de termos técnicos, tais como “anéis d'água”, “misturando rios”
(o que é isso?), “germinando vales”, além daqueles já referidos no artigo
anterior como “Caminhos da Água”, “Interligação de Bacias”, “Eixos de
Integração”, “Avenidas Rurais” e “Guarda Azul”.
De
tudo que foi por ele expressado, o que mais nos deixou perplexos foi que “os açudes poderão ser reabastecidos em plena
seca” e que o Ceará será alvo de “uma avançada e sustentada reforma aguaria” e
que “serão integrados 25 rios a partir da barragem do Castanhão” e não podendo
nós deixar de, novamente, mencionar este intricado conceito de “misturando rios”.
“Reverter cursos d'água, transpor divisores e misturar
rios” vai exigir a
movimentação de água de um lugar para
outro e implicará em consideráveis perdas
por evaporação e, consequentemente, reduzir, de forma substancial, os
nossos já escassos e preocupantes recursos hídricos de superfície.
E para “transpor
divisores”, também haverá custos com energia, geralmente muito elevados, tendo em vista as altitudes a serem transpostas de uma bacia
hidrográfica para outra. E o mais grave,
o Açude Castanhão não tem, sequer, água
para irrigar os 43.000 hectares e destinar 10,5 m3/s para reforçar o Abastecimento de
Água da Região Metropolitana de Fortaleza, conforme é previsto no seu Estudo de
Viabilidade Econômica aprovado, pelo COEMA, por 12 votos contra 8, no ano de
1992, após duas derrotas consecutivas em Audiências anteriores, por 12 a 4 e 10
a 9, respectivamente.
É
preciso, antes de tudo, que o ilustre Secretário explique melhor os seus
inusitados projetos, de forma técnica e
convincente, e não mais recorra àqueles filmetes que eram apresentados pela TV,
de hora em hora, no ano de 1998 (antes das eleições para Presidente
e Governador), os quais davam ao incauto telespectador a impressão de
que o Ceará estaria se transformando num Paraíso das Águas. E,
consequentemente, não teria mais problemas com as secas que, periodicamente,
assolam o seu território. Curiosamente, logo após as eleições, os tais filmetes
deixaram de ser exibidos. Justamente, quando
instalada, sobre o nosso Estado, uma das mais violentas secas destes
últimos dez anos.
Paira
uma dolorosa dúvida quanto as reais disponibilidades hídricas do açude
Castanhão, cuja vazão, segundo abalizado parecer do Prof. Theóphilo Ottoni, da
UFRJ, é de, no máximo, 13,00 m3/s, dos quais, só para a R.M.F. de Fortaleza,
serão destinados 10,50 m3/s. O que sobraria para os 43.000 hectares de
irrigação, para os projetos de Interligação
de Bacias, Anéis d’Água, reabastecimento
de açudes em plena seca, etc. etc.?
Deixamos
ao leitor tirar suas próprias conclusões...
NOTA DO EDITOR:
Artigo datado do ano de 1997, anterior à publicação
do livro, de Cássio Borges, “A FACE OCULTA DA BARRAGEM DO CASTANHÃO –
Em Defesa da Engenharia Nacional”, de 1999.
COMENTÁRIO:
Prezado Cássio
Li atentamente os seus dois agradáveis textos belissimamente
escritos, que me lembraram Charles
Chaplin, que disse: “Se o que você faz é
engraçado, você não precisa sê-lo!”.
O secretário citado é tão superlativo e hilário que você
apenas o descreveu, e ficou jocoso por si só. Veja a que nível de ridículo se
chega, e como a nossa dívida cresce. Este tipo de voo livre seria aceitável
apenas como hipótese para ser confirmado ou não, tecnicamente, como um
arquiteto pode fazer discutindo suas ideias com engenheiros e estudando os
materiais existentes. Como o secretário ousou sonhar com tanta liberdade
com uma questão tão complexa tecnicamente?
Agradeço muito, pois aprendi demais. Você é um cara batalhador e honesto, o Brasil seria outro com mais gente assim. Permita-me apenas arriscar-me, levantando a bola para sua crítica: até que medida tem um pouco deste aventureirismo criativo no projeto da transposição das águas do São Francisco nos eixo Leste e Norte?
Boas festas com sua família e um abençoado 2016 para todos.
Ambientalista
Idealizador/fundador
do Projeto Manuelzão (PMz)
São
Francisco watershed-cuenca/Brasil
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