sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

POEMA (IA)

BORDADOS LITERÁRIOS
Iolanda Andrade *
                                  
Reconhecemos um literato pelo gosto das suas rasuras.  (M. JACOB).


Para bordar as palavras
De apreciado artesão
Do mundo da poesia
Contos, anais, ficção,
É necessária estesia,
Prestar bastante atenção.

Empregue seu intelecto
Para o labor realizar,
Na trilha dos sentimentos,
Convém beleza aplicar,
Oferecendo momentos
Para o leitor deleitar.

Ao buscar na intimidade
As cores para adornar,
Os tons firmes, persistentes,
Ligados ao verbo amar,
Eis que corações e mentes,
Vão o escrito idolatrar.

Caso for borlar um conto,
Aplique a imaginação,
Veja o subjetivismo
Adentrando a inspiração,
Use a agulha do lirismo
Com linhas de abstração.

Se o adorno for um ensaio,
Aplicando as frestas d’alma,
Como que num balbucio,
Recorra ao plano da calma,
Tenha o encenar como fio,
Que o povo baterá palma.

Ao enfeitar peça lírica,
Do amor use o cordão,
Sem que ele reste esgarçado,
Sustente-o como bordão,
Impondo firme traçados
De fibras do coração.

Ao debruar a resenha,
Obedeça ao seu riscado,
Pois, se o cordel se partir,
Tudo será anulado,
Por esse ornado exigir
Esquema bem ordenado.

No recamo de um artigo,
Guarde o preciso cuidado,
Use de todas as normas,
Não fuja do enunciado,
Cumpra as necessárias formas
De um conceito bem bordado.

Quando costurar romance,
Teatro, ode ou comédia,
Com matizes, multicores
– Como ocorre com a tragédia –
Borde-os com o tom dos amores
Vividos na Idade Média.

Nem de longe a coerência
Poderá ser esquecida,
E, tampouco, a coesão
De um texto ser abolida,
Pois o nexo de um refrão
Descansa nesta investida.

Dispensado é referir
Aos limites atuais
Da nomenclatura nova
– Em termos gramaticais –
Que a lusofonia aprova
Para bordados que tais.

Pra não se dizer, depois,
Não me haver atido a flores,
Cirza versos amorosos,
Entremeados de odores,
Em ictos tão perfumosos
Feitos de todas as cores.

Num texto-prosa ou cordel,
Numa crônica ou novelas,
Traga fios variados
– Como ocorre às aquarelas –
Em tons diversificados,
Ornados em ricas telas.

Em linha, ao pintar poesia,
Com os cardeiros da emoção,
Exornando os sentimentos,
Nas cordas do coração,
Sejam os textos lenimentos
Aos eflúvios da paixão.

Já a métrica em primor
Há de ser utilizada
Em todo e qualquer poema,
Em ação harmonizada.
Se o verso fugir do esquema,
Restará inacabada.

Por preguiça ou “modernismo”
Se o metro se abandonar,
Tem a poética licença,
Branco verso pode usar,
Se aproveite desta avença
E borde até se esbaldar.

Num soneto, veja as normas
Desta grade literária,
Dois quartetos, dois tercetos,
Seguindo regra librária,
São medidas esses guetos
Da poesia multifária.

Jamais, porém, deixe a rima,
Pois o soneto a requer,
Seja breve, conclusivo,
Use o que lhe convier,
Respeite, entanto, o motivo
Que o soneto propuser.

Em quaisquer literaturas,
A seu modo de bordar,
É necessária atitude,
Forma certa a contornar
Do verso guarde a saúde,
Porque ele tem de agradar.

Rechilieu literário,
De começo, meio e fim,
Ponto de cruz, ponto cheio,
Dele sempre sou afim!
E, ainda, com crivo ao meio,
Faz-me tão contente assim ...

A cosedura rimada,
Na sala ou no camarim,
Há de ser modo acertado
Ter começo, meio e fim,
Não pode fazer errado!
Já fiz tintim por tintim.

Deixei aqui muitas dicas
Aos que pretendem bordar
E já ensinei neste ato.
Não vou mais, pois, ajudar,
Visto que o pulo do gato
Resta vedado ensinar.


*Iolanda Andrade é socióloga, 
docente, prosadora e poetisa, 
natural de Palmácia-CE

Nenhum comentário:

Postar um comentário