domingo, 18 de janeiro de 2015

ARTIGO (RV)

DURA LEX SED LEX*
 Reginaldo Vasconcelos*

O brasileiro é agudamente incoerente. Por exemplo, ambientalistas e entidades de defesa animal nacionais protestam por todos os meios, se por acaso aparece na mídia o criador de um leão matando um jumento para alimentar o seu animal – e o Ministério Público sai à luta para fazer indiciar e denunciar o autor dessa “brutalidade”, pelo crime de maus tratos.

Nesse afã sentimentalóide em favor do pobre asno, os revoltados não se lembram de que: a um, o leão também tem direito à vida como os demais filhos de Deus, e ele não come capim; a dois, que todos os dias acontece uma hecatombe mundo afora, no Brasil inclusive, em que se sacrificam milhões de frangos, porcos e bois – citando somente as vítimas principais – para alimentar a humanidade, em que estão incluídos os brasileiros hiperurbanos que se compadecem do jumento, e querem que seja preso o seu algoz.

Ora, essas pessoas imaginam que a salsicha do cachorro quente que consomem dá em árvores, e que o conteúdo das bandejinhas de carnes que adquirem todo dia nos supermercados do País é caridosamente produzido pela indústria química, em pacífico chão de fábrica. Então, enquanto se empanturram de maminha e picanha, querem que morra de fome aquele leão, ou então que se o alimente com brioches.

Agora, analogamente, a Nação se revolta com a execução de um brasileiro na Indonésia, o qual foi preso traficando droga ilícita para aquele país, e recebeu a pena capital, em processo penal regular, segundo as leis locais que ele infringiu. Dura Lex Sed Lex – esse o brocardo latino que o mundo adota, e que no Brasil se prefere adaptar para “Dura Lex, Sed Látex” – no humor de Fernando Sabino. 

Entendo que cabia mesmo à diplomacia brasileira envidar esforços com vistas a repatriar o seu criminoso, para cumprir a pena máxima admitida no Brasil, e ela fez isso à exaustão, sem resultado. Também considero legítima a comoção da família do condenado, bem como a solidariedade da cidadania nacional aos parentes do rapaz.

Porém, o preso executado na Indonésia era réu confesso, maior e capaz, de pele branca e pertencente à juventude dourada carioca – e tinha plena ciência dos riscos que corria. Como se costuma justificar a não adoção da pena de morte no Brasil tendo em vista o risco de, por eventuais erros judiciários, se executarem inocentes (negros e pobres principalmente), este condenado não se enquadrava no perfil, e não aconteceu, portanto, neste caso, a temida injustiça irreversível contra alguma minoria – ou maioria de excluídos. 

Fato é que se a lei penal da Indonésia vigorasse aqui, talvez não morressem fuzilados nem cem criminosos, e o tráfico acabaria, pelo efeito dissuasivo da pena severa. Em compensação, nessa hipótese, centenas de milhares de brasileiros do futuro seriam poupados do vício das drogas, e principalmente da sanha dos traficantes que alimentam a violência urbana, o crime organizado que condena à morte, todo dia, com armas de guerra, seus devedores e rivais, nas grandes periferias, nos guetos, nas “cracolândias” das cidades. 

Cidadãos de bem são vítimas de assaltos e sequestros diários no Brasil, e não raro são impiedosamente assassinados, quer reajam quer não, por drogados que atacam para alimentar o vício ou para pagar dívidas de drogas, o que provoca uma carnificina nacional, e o sistema policial e jurisdicional do Brasil não coíbe minimamente a ação dos criminosos, por leniência da lei e pela incúria dos agentes. Enquanto isso o Itamarati e a Presidência da República fazem beicinho porque o “leão indonésio” pegou um que "caiu" lá. Paciência!

*Do latim, "a lei é dura, mas é a lei".       


 
*Reginaldo Vasconcelos
Advogado e Jornalista
Titular da Cadeira de nº 20 da ACLJ  

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