VINTAGE
Humberto Ellery*
As diversas idades do Homem se dividem, grosso modo, em
jovem, adulto, idoso, velho, ancião e chegamos finalmente à final curtain. Eu
não me enquadro em nenhuma delas. Costumo dizer que sou Vintage, da
safra de 45.
Como sabem enófilos, enólogos e sommeliers,
naquele ano a topografia, o clima, a tradição e a cultura conspiraram para
produzir a melhor terroir do século, para produzir os melhores vinhos e
homens (inclusive Eu).
Modéstia à parte (meu maior defeito é ser excessivamente modesto),
se eu fosse traçar uma analogia entre mim e um automóvel, eu seria um Packard.
Tradicional, conservador, não teria a beleza de um Cadillac ou a agressividade
veloz de um Corvette, mas imporia aquela majestade discreta dos que não seguem
moda, têm estilo.
Devo admitir que já estou usando gasolina aditivada, mas o motor
ainda “pega de arranque”, a caixa de câmbio não está “soltando marcha”, nem o
rádio está “misturando as estações”. Todos os ponteiros do painel (digital não
existe) ainda estão marcando corretamente pressão arterial, glicemia, PSA, etc.
O segredo são os meus cuidados com a manutenção. Troco o óleo
regularmente, hoje de maneira mais espaçada porque não faço mais viagens muito
longas, mas sempre chego ao destino que a passageira deseja, seja uma viagem um
pouco mais longa, ou uma corrida mais curta, uma rapidinha. Entenderam?
Todo este “leriado” é para contextualizar o soneto que vai ao final
deste post, em que os dois quartetos têm tudo a ver comigo. Apenas o
desfecho, nos dois tercetos, é pura ficção, não dizem nada com relação a mim. São apenas um chiste.
Velho? Não, seminovo.
Quando elas passam desfilando pelas ruas,
com pouca roupa, provocantes, sedutoras,
a anatomia exuberante, quase nuas,
me despertam emoções perturbadoras.
“Ah! meus tempos”, imagino-me um garoto,
mas minha idade já impõe serenidade,
pois não tem graça um velhinho, tão maroto,
dizer gracejos, porque já passou da idade.
Mas estou vivo, não perdi minha vontade
de abraçá-las com amor, como um artista.
Serenamente vou ficando “na saudade”,
Fico num canto lamentando meus abrolhos.
Pingo um colírio de Viagra em minha vista,
pois nessa idade tô comendo só com os olhos.
COMENTÁRIO
Em sua simpática croniqueta,
em que se inclui um soneto, ambos glosando a sua condição de setuagenário, entre
ficção e confissão, Ellery não se classifica bem na analogia automobilística.
Eu diria que ele não seria
exatamente comparável ao velho Packard, marca de automóvel cujos principais
modelos foram fabricados entre os anos 30 e os anos 40.
O advento do confrade coincide
com esta última década citada, mas a vida útil dos veículos não corresponde à
idade humana. Creio que ele seria melhor comparado com um Itamaraty, ou como um
Maverick, carros ali da década de 70, e que ele mesmo possuiu. Então ele não seria "vintage", mas, no máximo, "retrô".
Ademais, os carros, em relação à sua idade, vão do “carro zero” ao “carro antigo” (caso
dos Packards), passando pelo seminovo e o carro usado, como também pelo “carro
velho” – aquele idoso que não foi zelado ou restaurando para receber o grau de
antiguidade.
Então, Ellery “elleryza”
erradamente quando se insinua “seminovo”. Ele é antigo, com muita honra, pelo
ano em que foi fabricado e pelo bom estado de motor e flandagem que até hoje ainda
ostenta. Se duvidar, ainda terá preservado o “manual do proprietário”.
Reginaldo Vasconcelos
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