sábado, 7 de setembro de 2019

ARTIGO - Universidade Engajada (RMR)


UNIVERSIDADE
ENGAJADA
Rui Martinho Rodrigues*



“Eu tenho lado” é dito com orgulho. Seria tibieza ou conivência não ter um lado. A neutralidade seria impossível. O raciocínio aludido é válido para juízo de valor. Mas é erro ou desonestidade quando se trate de juízo de fato. Peritos, sem ter lado, devem descrever as feridas encontradas no cadáver, classificando-as e indicando órgãos atingidos. Perito cujo laudo afirme que a vítima foi covardemente apunhalada tem lado e isso o desqualifica.

Universidades foram criadas na Idade Média para defender a Escolástica e o Poder da Igreja, quando ambos claudicavam. Nasceu engajada. Reprimiu inovações científicas. Depois mudou. A concepção britânica, inspirada em John Henry Newman, (1801 – 1890), concebeu a Universidade do Espírito, voltada para o saber universal, cujo escopo é o desenvolvimento intelectual. A dimensão filosófica contempla a formação moral. Afastava-se da universidade medieval dos saberes estabelecidos.

A concepção alemã, influenciada por Friedrich Wilhelm Heinrich von Humboldt (1769 – 1859), adotou a livre busca da verdade. As feridas da experiência nazista tornariam mais forte esta concepção. Daí a prioridade para a pesquisa, ao invés do ensino, como queria o cardeal Newman. Verdade objetiva refere-se a juízos de fato. Neste campo, ter lado é erro ou desonestidade. A ciência busca a compreensão da realidade fática, sem estabelecer normatividade. Ciência normativa, como o Direito, não resulta de trabalho científico. Tem base valorativa.

Direito, do ponto de vista da zetética, é fato, valor e norma, nos termos de Miguel Reale (1910 – 2006). Direito e ética são ciências do dever ser. Estas não são ciência em sentido estrito, como descritas por Galileu Galilei (1564 – 1642), que perdem validade quando seus enunciados não correspondem aos fatos. As proposições das ciências do dever ser não se abalam quando os fatos divergem delas.

A busca da verdade objetiva exclui o argumento de autoridade. Sua validação está na falseabilidade e no concurso de ideia avaliado pela comunidade científica, conforme Karl Raymond Popper (1902 – 1994). A concepção americana de universidade, influenciada por Alfred North Whitehead (1861 – 1947), também é a da Universidade do Espírito, como a alemã e a britânica, até anos recentes. Mas teria a preocupação de atender a aspiração da sociedade ao progresso.

Quais sejam tais aspirações diz respeito a escolhas valorativas. Pesquisadores sem representatividade falam em nome da sociedade? A valoração dos fatos sociais leva ao juízo de valor. Maximilian Karl Emil Weber (1864 – 1920) procurou advertir: a neutralidade axiológica é necessária quando se trate de juízo de existência.

Macunaíma rasgou a distinção entre juízo de fato e de valor e jactou-se de ter lado. Indiferenciou ciência do ser e do dever ser. Não aceita que a gramática seja normativa, mas não tem pejo de fazer Sociologia, História e Economia normativas, propondo uma engenharia social, sem nenhum rubor na face. Desqualifica a noção de verdade, exceto os seus próprios juízos. À semelhança dos equívocos do ativismo judicial, o ativismo universitário é um descaminho. Edmundo Campos Coêlho, na obra “A Sinecura Acadêmica: A Ética Universitária em Questão” (Revista dos Tribunais, 1988), e Pedro Demo, no livro “Intelectuais e vivaldinos” (Almed, 1982), expõem as mazelas da contaminação ideológica dos campi. Muitos são os vícios que se ocultam sob o manto das lutas políticas.

A escolha de reitores, segundo a lei, deve recair sobre um dos integrantes de uma lista tríplice baseada em consulta à comunidade acadêmica. Grupos que não aceitam a alternância do poder e querem preservar posições criaram a inovadora lista tríplice de um só. Mas a legitimidade originária é dada nas eleições gerais do País aos governantes eleitos. A legitimidade dos administradores de órgãos públicos é designada como derivada, já que dada por quem foi eleito nas eleições gerais. As eleições corporativas, sujeitas a pressões e à cooptação, não têm legitimidade. E a invasão de bens públicos de uso especial, atualmente praticada, é ilegal. O clima de intimidação não pode prevalecer no Estado democrático. Não se deve tolerar a intolerância. Quem tem conduta fascista atribui aos outros tal qualidade. Quem disso usa, disso cuida.



COMENTÁRIO

COMENTÁRIO AO ARTIGO DO RUI EM 08 DE SET, 2019

Dr. Rui Martinho Rodrigues, caríssimo.

A Universidade Federal do Ceará – UFC, evidentemente, muito se compraz com o ter ao lado dela. A realidade de contar no seu recheio acadêmico com um docente-pesquisador de seu insuperável quilate - além de conformar uma glória, configura pretexto para que noventa por cento daqueles que prezam uma instituição desse jaez se bandeiem, ligeiro, para ali.

Também, professor Rui, estou no seu partido = mais um por cento. Falta, então, o percentual de nove.

Parabéns pela histórica, pedagógica e filosófica orientação por via desse seu escrito. Expressar-me assim, aliás, sobra redundante, haja vista o fato de que as proposições ruimartinhoianas são lições tangíveis, diáfanas, de transparência absolutamente nítida! Oportuno é exprimir, entretanto, como na parêmia romana – o que é demais não é prejudicial (Quod nimium est non nocive).

Alinhemo-nos, por conseguinte, estudantes, professores, servidores técnico-administrativos e povo à nossa alma mater – a UFC.

Abraço

Vianney Mesquita.



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