terça-feira, 17 de setembro de 2019

ARTIGO - Fascinação (RMR)


FASCINAÇÃO
Rui Martinho Rodrigues*



A Revolução Francesa fascina. Igualdade, liberdade e fraternidade são palavras sedutoras e enganosas. A fraternidade revolucionária tropeçou na guilhotina. Centenas de milhares foram “fraternalmente” decapitados. Jacobinos, defensores entusiastas das três palavras fascinantes, instauraram o reinado do terror. A igualdade republicana criou a monarquia imperial bonapartista e distribuiu títulos de nobreza, a exemplo do marechal Michel Ney (1769 – 1815), sucessivamente galardoado como duque e como príncipe.

A revolução de 1789 forçou uma mudança cultural. Não tentou estabelecer um governo consentido pelo povo, procurou mudar sua mentalidade. Teve o sentido de criar um Estado forte para corrigir os resíduos do feudalismo através de uma mudança cultural forçada. Não queria ser o governo do povo, mas um governo de herdeiros dos reis filósofos da República de Platão (429/28 a.C. – 348/47 a.C.) exercido sobre o povo para corrigi-lo.

Era a presunção de sabedoria do cientificismo iluminista, ilusão de uma ciência normativa, que diga como a sociedade deve ser, sem a validação empírica, porque justifica os seus erros como desvio das lideranças, sabotagem do inimigo, negando os fracassos e apresentando falso sucesso, alegando que não aconteceu no lugar ou na hora certa. O primeiro dos inimigos da sociedade aberta, segundo Karl Raymond Popper (1902 – 1994) é Platão, com os reis filósofos.

A revolução de 1789 trocou a absolutismo da monarquia deposta pelo totalitarismo jacobino. Autoritários querem impor condutas. Totalitários querem impor uma consciência. Os revolucionários fizeram, com eloquente retórica, uma declaração de direitos semelhante à dos constituintes norte-americanos de uma década antes, sem guilhotina ou festival de sangue, sem impor uma mudança cultural, sem o cientificismo iluminista.

A efusão de sangue fascina. Talvez pelo atavismo dos ritos sacrificiais de humanos. A Revolução parece fascinar pelos erros e pela crueldade que praticou. A narrativa histórica classifica a Revolução Francesa como liberal. Não foi. Implantou governo forte para impor uma consciência ao povo. Pascal Bernardin (1960 – vivo), na obra “Maquiavel Pedagogo”, descreve com farta documentação do Conselho da Europa e da Unesco o movimento que visa substituir a ênfase do desenvolvimento cognitivo pela esforço para manipular psicologicamente os estudantes com o fito de criar uma nova consciência, que segue o espírito de 1789.

A manipulação aludida lembra o processo descrito por George Orwell (1903 – 1950), na obra “1984”, por meio da novilíngua. É o que vemos na produção de um vocabulário novo, com ares de ortodoxia politicamente correta. José Guilherme Merquior (1941 – 1991) descreve a descristianização da França, empreendida pela revolução para mudar mentalidades. Liberal foi a Revolução Inglesa de 1689, feita contra o absolutismo, sem guilhotina, implantando um governo consentido pelo povo, não uma mentalidade ditada ao povo pelo governo. Foi esquecida pelos fascinados com a guilhotina “fraterna” e a imposição de consciência.


Os jacobinos fascinam os intelectuais candidatos ao posto de tutores da sociedade por eles considerada incapaz. Herbert Marcuse (1898 – 1979), revolucionário, herdeiro do cientificismo iluminista, no outono da vida escreveu “Eros e civilização”. Nesta obra admitiu honestamente que todas as revoluções falharam, foram traídas. Cunhou o termo “mais repressão”, análogo a “mais valia”, explicando que a repressão tradicional introjetada não desaparece, somando-se à repressão introduzida pela nova ordem revolucionária.

Hoje os candidatos a tutores da sociedade procuram forçar a mudança cultural. A moral tradicional é por eles demonizada como fascista, obscurantista, machista para constranger e impor uma nova consciência. Jacobinos de hoje acusam suas vítimas de intolerância, agressividade e prática de censura, atribuindo ao outro a sua conduta. Nicolau Maquiavel (1469 – 1527) dizia que não é preciso ser virtuoso, basta aparentar virtude. Tal violência, porém, desperta resistência mundo afora. Conflito é pretensão resistida. Pretender impor uma nova consciência gera resistência e conflito.



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