INFELICIDADE INDUZIDA
Rui Martinho Rodrigues*
Percepção, significado, valoração, ângulo de visão, ênfase e idiossincrasias
se sobrepõem aos fatos, na formação da resultante do “sistema de forças”, na
constelação de fatores que compõem a felicidade.
Condições materiais de vida melhoraram enormemente desde o advento
da Revolução Industrial:
Escolaridade, acesso aos bens e serviços, liberdades e garantias
individuais, proteção de minorias pelo Estado e instituições, controle de epidemias,
cura de doenças letais;
Tratamentos menos dolorosos, declínio da mortalidade infantil,
maior esperança de vida, Direito Penal humanizado com penas alternativas;
Entretenimento disponibilizado pela popularização do rádio, da TV e
da internet, atividade física facilitada pelo acesso às academias;
Pedagogias suaves, integração de pessoas especiais, abandono das
práticas de amedrontar crianças com Bicho Papão, possibilidade de escolher o
momento de engravidar, superação da infertilidade e o grande aumento da
mobilidade geográfica... todos esses são aspectos que objetivamente indicam
melhores condições de vida.
Mais felizes, porém, não nos tornamos. O índice de suicídios cresce.
Dependência química é pandemia. Depressão, síndrome do pânico, ansiedade, as
varias formas de insatisfação, o sentimento de revolta e indignação s
multiplicam, levando a uma era de manifestações de protesto. A seletividade da
memória – autêntico mecanismo de defesa – é lembrada para afastar a visão de um
passado mais feliz.
Dizem que houve apenas aumento do registro e da percepção da
infelicidade, não fatos que traduzem esta condição. Objetivamente, porém, o
crescimento dos fatos que expressam insatisfações e infelicidade é real. Não é só
aumento de registro.
Formadores de opinião, como professores, comunicadores, escritores
e celebridades tendem a olhar o mundo pelo ângulo da inconformidade. Alegam que
o conformismo paralisa a vida. Poetas dizem: “todo grande amor só é bem grande
se for triste” (Vinicius de Moraes, 1913 – 1980). Comunicadores declaram: “Notícia
é o homem morder o cachorro, não o cachorro morder o homem”. Destacam o
inusitado, ao invés de assinalar a tendência majoritária dos fatos e atos
sociais.
Aristóteles (384 a.C. – 322 a.C.) percebeu a tendência das fórmulas
políticas para a degradação, comparável à segunda lei da termodinâmica, na
Física. A democracia tende, segundo aquele célebre estagirita, a degenerar em
demagogia. Políticos e ideólogos exploram os ângulos desfavoráveis, omitindo a
enorme melhoria de todos os indicadores de qualidade de vida.
Destaque e valoração dos fatos e atos é feito até nas ciências da
cultura, ao modo dos poetas e comunicadores, ressaltando a infelicidade, deformando
a percepção. Poetas mentem. Intelectuais fazem tratados como que se valendo de licença
poética. Comunicadores buscam audiência oferecendo emoções. Políticos procuram
votos mostrando indignação com o que interpretam como injustiça. Mobilizar
pessoas é mais fácil com raiva e indignação.
O mundo foi orientado, desde o advento do jornal impresso e do enciclopedismo
(que contribuíram para a Revolução Francesa), até as novas tecnologias de informação,
para ser infeliz e revoltado por “direitos que lhes são negados”, magoando-se e
tornando-se infelizes. Anthony Daniels disse, por isso, que o mundo está
desorientado.
Poetas mentem????? Poetas deliram!!!
ResponderExcluirAmei o texto... toca em detalhes importantes, fundamentais. Adorei a citação do Vinícius de Moraes (mesmo não concordando com ele). Também adorei a aproximação de Aristóteles, apesar de delirar heidegger.
Alana Alencar
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