DIREITO, PODER E CONTRAPODER
Rui Martinho Rodrigues*
A primeira geração de direitos, na classificação de Norberto Bobbio
(1909 – 2004), expressava proibições, comando do Estado dirigido aos cidadãos
ou súditos, a exemplo dos códigos de Hamurabi (Mesopotâmia, Séc. XVIII a.C.) e
do bramânico código de Manu (Séc. II a.C.). Diziam: não mate (o mais fraco,
ainda que tal fraqueza seja circunstancial), não roube (do mais fraco), não
tome a mulher do outro (mais fraco). Tais comandos protegem o mais vulnerável e
limitam o poder do mais forte.
Ainda na classificação de Bobbio, a segunda geração de direitos
também expressava comandos negativos, em forma de obrigação de não fazer. Era
um comando dos cidadãos dirigido aos governantes: não prenda sem culpa formada,
não viole o domicílio, não proíba a livre expressão do pensamento. Esta
tradição foi esboçada na Carta do Rei João Sem Terra (1166 – 1216), em 1215, e
consagrada pelos constituintes americanos e franceses em fins do Século XVIII.
Direitos negativos (obrigação de não fazer) não amparam
reivindicação de recursos ou de poder pelo obrigado. Limitam, todavia, a ação
do mais forte. São direitos potestativos, que são incontroversos. Não podem ser
contestados, mas não têm exigibilidade. São universais, no sentido de que todos
desfrutam deles.
Exemplificando: toda pessoa tem o direito de expressar livremente o
que pensa, responsabilizando-se pelo que diz. Mas nenhum veículo de
comunicação, porém, é obrigado a publicar o que cada pessoa pensa.
A Constituição Americana, valendo-se das palavras de Thomas
Jefferson (1743 – 1826), considerou certos direitos, comuns a todos os indivíduos,
como “inalienáveis”, reconhecendo-lhes a existência, independe dos governos.
Basearam-se para tanto na doutrina do Direito Natural.
Hoje proliferam direitos que impõem obrigação de fazer,
configurando uma relação entre um credor e um devedor, com o atributo da
exigibilidade. Grupos específicos são contemplados, afastando o argumento da
universalidade.
O Direito Natural também não figura como arrimo das reivindicações
aludidas. Temos disposições normativas oriundas dos governos (o mais forte),
onerando cidadãos (mais fracos) em favor de terceiros, sem que os “devedores”
sejam transgressores e sem que os beneficiados tenham produzido o crédito. A
descrição corresponderia ao dever moral de solidariedade e aos gestos
filantrópicos.
A transformação da obrigação moral em dever legal cria uma
solidariedade forçada e estatiza a filantropia. Diz ao Estado: dê bem-estar. Ao
fazê-lo emponderamos o leviatã, que passa a exigir meios materiais e poderes
para cumprir o comando. Trata-se de transferir o ônus da solidariedade para
terceiros (financiadores do Estado), do contrário não precisaria dos poderes
públicos como intermediários para realizar seus desígnios bondosos. Quem
reivindica para si a condição de credor inato deveria pensar nas palavras de
Charles Washington Baird (1928 – 1987): você tem o direito de ler um livro, mas
nenhum direito de obrigar outra pessoa a dá-lo a você.
É contraditório negar o direito natural e criar direitos
universais, onerar quem não contraiu dívidas, classificar obrigações de fazer,
que são sinalagmáticos, como direitos humanos, que são potestativos. É uma
contradição invocar a emancipação humana e propor obrigações. É paradoxal
tratar certos direitos como imperativo categórico quando constituem matéria
polêmica, sem invocar o amparo do Direito Natural, seja apoiado no
treocentrismo ou no cosmocentrismo. O contrato social também não pode ser
invocada para tanto, porque não contempla, nem deve contemplar, mais do que
direitos potestativos.
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