CARA DE PAU
OU DE
“AGLOMERADO”
Reginaldo Vasconcelos*
Cientistas descobriram que os cães, após domesticados,
desenvolveram musculatura especial na cabeça para refinar a sua comunicação com o ser
humano, por meio de expressões faciais que lhes denunciem as emoções. O franzir
da testa, o movimento das sobrancelhas, os olhos lânguidos e pidões.
A “cara de cachorro que quebrou o pote”, notada pelo adágio
popular, flagra a realidade de que, diferentemente dos seus primos da espécie lupus, o “maior amigo do homem” consegue
mostrar no focinho o que ele sente – e não pode disfarçar o que eventualmente
fez de errado.
Já os lobos, da mesma família canidae,
têm “cara de pau”, mantendo o ar impassível, estejam atacando ou empreendendo
fuga, estejam comendo ou sentindo dor, estejam felizes ou angustiados. E “cara
de pau” têm alguns seres humanos, que, na mão inversa à dos cães, aprenderam a dissimular
na fisionomia aquilo que lhes vai na alma ou têm em mente.
Uma grande rede de supermercados brasileira trouxe certa vez da
Rússia uma série de especialistas em interrogatório, mentalistas que conseguem
detectar a falsidade dos entrevistados apenas observando suas expressões, o seu
gestual e as suas posturas corporais.
Mesmo sem falar português, e, portanto, sem entender uma só palavra,
apenas observando as reações de candidatos à “compradores” da empresa – função que
exige absoluta honestidade – esses antigos agentes da KGB apontavam quem estava
sendo sincero e quem falava sob reserva mental.
Eu não sou inquisidor russo nem especialista em expressividade animal, porém, nem precisava sê-lo, para perceber as contradições e os atos
falhos cometidos na entrevista prestada há poucos dias, na Globo News, pelo
Ministro Gilmar Mendes, o mais controvertido e impopular integrante do Supremo Tribunal
Federal.
Foi grande crítico do petismo, e por isso era detestado pelos
adeptos da sigla – ele mesmo reconheceu – e hoje levanta a bandeira do “Lula
livre”, o que deleita os petistas – foi o que o Ministro deixou no ar ao
concluir. Por quê mudou de postura ele não pôde deixar claro. Ficou no ar.
O que se apura daquela entrevista do Ministro Gilmar é que, conforme ele entende, os vazamentos
para a imprensa de documentos de inquéritos e de decisões judiciais (que, em
última análise, são apenas a revelação pública antecipada da verdade), seriam um
crime inominável, cometido, segundo ele, pelos Procuradores da Lava Jato.
Entretanto, deixa entender que o raqueamento criminoso das autoridades federais da
mesma Operação Lava Jato, com fins político-partidários, visando anular
condenações, seriam toleráveis, e que seus resultados devem ser aproveitados pela Justiça,
antes de serem periciados e confirmada a integridade dos conteúdos. Pode?
Por fim – sempre de voz muito empostada e entremeando as frases com
“ÊH...”, “ÉH...”, “AH...” – embora reconhecendo
que a comunicação entre juízes, advogados e membros do Ministério Público seja
prática corriqueira no Brasil (e isso não significa parcialidade dos julgadores),
o Ministro Gilmar também deixou no ar que, no caso da Lava Jato, as condenações
poderiam ser anuladas, com a soltura dos corruptos e, inclusive, com a
devolução das propinas aos criminosos e das verbas que eles haviam desviado – colocando os
heróis da República no banco dos réus, e os réus condenados e presos no trono dos justos.
Pode?
A propósito, “aglomerado” é aquela madeira falsa, mas maleável – "compensado" ou "MDF" – feita com fragmentos
comprimidos em resina, cuja consistência não resiste bem ao tempo, ao manuseio e à umidade, material de
que parece serem feitas algumas notórias “caras de pau”, que mudam conforme a conveniência, mais adaptadas ao clima
seco de Brasília.
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