MÁQUINA DE
DESCASCAR LARANJA
Totonho Laprovitera*
Totonho Laprovitera*
Antigamente – nunca mais vi uma – existia uma máquina manual de descascar laranja. De estrutura em ferro pintado, com praticidade e facilidade, ela funcionava da seguinte maneira: Prendia-se a fruta a dois eixos que, à manivela giravam ao mesmo tempo, enquanto uma pontiaguda e afiada lâmina em aço se ajustava à profundidade de corte, acertando a espessura desejada da operação. Aí, terminada a intervenção, o vendedor tirava com uma faca um chaboque cônico e dava a laranja para o freguês chupar.
Na entrada principal do antigo Estádio Presidente Vargas, do lado de fora,
lembro que tinha um bocado delas. Ao redor de cada carrinho que carregava a tal
máquina, um emaranhado de assanhados fios de casca de laranja se derramava em
desenhos ao nodoado chão calçado de mosaico cinza.
Pois é, quando penso nessas coisas, parece que eu estou é vendo o velho e saudoso amigo Dr. Motinha dizer: “Lembrar é fácil para quem tem memória. Esquecer é difícil para quem tem coração. William Shakespeare!”
COMENTÁRIO
Meu pai era um grande apreciador de laranjas. Moramos um tempo em sua fazenda, final dos anos 50, próximo a um posto agrícola do Dnocs (projeto
agronômicos do pai da Ana Miranda, a qual, por isso, também morou lá na sua infância), em cujo
perímetro irrigado se produziam laranjas às carradas.
Havia uma guarita de madeira defronte à casa do Agrônomo Chefe
(construída pelo Dr. Miranda uma década antes), onde se acumulavam quatro
metros cúbicos de laranjas maduras e douradas, que cheiravam de longe, aonde íamos buscar
as frutas que degustávamos nos alpendres da fazenda, descascadas por meu pai.
Ele tinha uma faquinha alemã de lâmina inoxidável com medida de uma
chave, de finíssimo lavor, cujo cabo se compunha com uma pata de gazela
mumificada em seu pelo e casco originais, servida de uma bainha de couro guarnecida de prata, na borda de
entrada e na sua ponta – idêntica a essa da gravura que tem cabo de osso.
Manuseava ele esse trinchete, na mão canhota, com imensas
habilidade e precisão, ao tempo em que girava a laranja na outra mão, produzindo
simétricas rodelas de casca que iam saltando longe, como moedinhas cunhadas em
escala industrial – sem jamais ferir o âmago da fruta.
Mas em nossa casa em Fortaleza não havia esse ritual, pois ele
tinha uma dessas máquinas a que o Totonho se refere em sua catita croniqueta,
com a qual meu jovem pai descascava laranjas com a mesma rapidez, embora sem o mesmo
charme.
Essa máquina foi um dia subtraída furtivamente por um cunhado dele,
meu tio portanto, fino artista plástico e alcoólatra compulsivo, que antes
de ser salvo pelo AA se apropriava do que pudesse para trocar nos botecos por
cachaça. Memórias do coração.
Reginaldo Vasconcelos
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